“Todo começo esconde uma arte[1]”, todo começo esconde uma arte..., vê, Warat, hoje acordei com suas palavras em meus pensamentos. O motivo é óbvio: amanhã chega um novo ano. Mas hoje, 31 de dezembro de 2008, um dia com cara de final, de fechamento, de processo concluso, ainda pelejo, teimosa que sou, tentando embrenhar-me nos minutos decisivos da prorrogação do jogo. Faço isso porque quero vencer.
Vencer é começar. E podemos começar com poesia. Sem poesia não existem caminhos nem começos. É a poesia que deve impulsionar nossos movimentos. O olhar poético que se permite viver, enfrentar os riscos, afastar a rotina, banir o costume, expulsar os vícios que nos castram na ilusão de pertencimento a um território seguro. A poesia nos permite amar o outro e os dias. E o amor e os dias não podem se tornar hábitos cumprindo rotina, batendo cartão de ponto, previsíveis, previsíveis...
Todos os dias, começamos. Sempre quando chego em casa, abro o portão, avisto a garagem, o jardim, as flores, os cachorros, sempre vejo esse “mesmo” com a alegria dos eternos começos. O trabalho só tem sentido se compactua com o sentido dos começos, ver o brilho de novos sentidos de vida brotando no olhar de um aluno. Sim, o trabalho também precisa de poesia. Não dá para viver distante ou estagnada ou escravizada pelas percepções automatizadas dos outros. Isso não é começar, nem vencer, nem viver, nem amar.
Sei que nem sempre é fácil começar. Muitas vezes estamos cansados, a vida deu umas pancadas fortes, o corpo dói, a alma geme e um certo desânimo quer montar barraca em nosso quintal. Não permita. Caio Fernando Abreu diz que “quando tudo parece sem saída, sempre se pode cantar. Por essa razão escrevo”. Hilda Hilst instiga nossa vontade “Canta! Ainda que se desfaçam ilhargas, trilhas... canta o começo e o fim. Como se fosse verdade. A esperança”. Então amanheci cantando, cantando, escrevendo, renovando esperanças, mesmo que doa e você sabe que dói. A saudade dói. Cantando, lembro que Saramago diz que ninguém foge ao seu destino e cultivo um jardim de esperanças que esteja no nosso destino viver esse amor-poesia que sonhamos viver. Se não estiver, a vida continua, pois o ser de todas as coisas é o movimento, como já afirmou há séculos, o filósofo Heráclito de Éfeso e seguimos sempre, mesmo sem perceber, caminhamos rumo ao nosso destino.
Como ser em movimento que sou, sonho, caminho, planto, canto, pinto, começo re-começo. Voltei a pintar. Telas coloridas e enormes. Quem sabe me animo com o ritmo da pintura e volto para o piano? Também ando pintando novos sonhos. Doutorado em Lisboa, ou talvez Paris. Um novo livro. Um novo amor bem bom de viver. Quem sabe abrir um restaurante? É bom fazer as pessoas felizes. É bom viver momentos felizes. Hoje plantei novas flores em meu jardim. Girassóis. Florescerão? Não sei. O que importa é que floresçam em mim e nesse momento tenho um jardim repleto de girassóis tão alegres que dá gosto de ver. É, dia 31 de dezembro foi um bom começo. Desejo que todos os outros dias da sua vida sejam como esse está sendo pra mim, abertos para começar. Gol! E a partida recomeça.
Feliz ano novo!
[1] “Todo começo esconde uma arte” é o afirma meu querido amigo Luis Alberto Warat no início do texto que abre a coletânea “Territórios desconhecidos” que reúne boa parte de suas obras.