Sempre
que pego um táxi lembro-me de Clarice Lispector. As conversas da escritora com
os taxistas renderam boas crônicas. O fato é que um tipo de sentido aguçado
imediatamente se compõe quando entro em um táxi. Talvez por ter quem dirija por
mim, propiciando um devanear enquanto olho pela janela. Mas não é só por isso.
Confesso que sou tomada por uma curiosidade incontrolável de saber como é a
vida desse outro que momentaneamente é responsável por conduzir meu
destino.
Então
puxo conversa. O trânsito de Fortaleza é, por motivos óbvios, um tema
recorrente. Inusitadamente, com um motorista de outra cidade aprendi um caminho
alternativo que driblou vários congestionamentos. Após uma boa conversa, muitos
taxistas no intervalo do semáforo ou no fim da corrida, gostam de mostrar as
fotos dos filhos no celular. “tudo vale a pena pela felicidade deles”.
Nos diálogos, vou colhendo impressões
políticas, convicções religiosas, histórias de família. Antônio batizou o banco
do passageiro de “divã do analista” e se mostrou orgulhoso ao relatar as
façanhas de seu consultório móvel. Segundo ele, seus conselhos já salvaram mais
de dez casamentos.
Violência
urbana é outro assunto que sempre vem. O diálogo que nunca esqueci aconteceu
com Sônia, taxista estreante na profissão. A contragosto substituía o marido,
impedido de dirigir, pois sofrera um assalto recente. O marido de Sônia levou
um tiro que atravessou a perna e banhou o carro de sangue. “Tá vendo essas
marcas? São dos tiros. Foram seis dentro desse carro.”
Emudeci.
Enquanto verificava as marcas deixadas pelos projéteis, as palavras ecoavam
habitando o silêncio e deixei o olhar perder-se, atravessando a janela. Depois,
pelo retrovisor, observei que o medo jorrava do olhar de Sônia. Um medo que identifiquei
com tamanha clareza por também ser meu. Um medo que nos enlaçou naquele
momento, compartilhando pela linguagem de palavras, silêncios e olhares a
fragilidade de nossa condição humana.
Ana Valeska Maia Magalhães.
4 comentários:
Um medo que e de todos nos.
Parabens pelo texto, professora.
Adelivan Ribeiro, poeta e escritor
Grata, te desejo uma excelente semana.
LINDO TEXTO.
:)
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