segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

De cacos e espinhos

Ganhei um lindo buquê de rosas. Empolgada com o toque de veludo das flores ignorei os espinhos. A beleza algumas vezes cega e esquecemos suas traições. Não deu outra.

Espinho-dor. Enquanto o sangue gotejava procurei na lembrança outras similaridades, recordações de quando manuseamos coisas bonitas e nos ferimos sem querer. Lembrei da taça de cristal finíssimo, utilizada em ocasiões solenes, mega-ultra-especiais. Quebrou bem na minha mão. O que era belo foi reduzido a cacos. E me deixou uma ferida que hoje é cicatriz.

Cacos e espinhos voltam à lembrança quando vejo alguns anúncios no Facebook. Um leque de dietas milagrosas, promessas de corpos impecáveis e rejuvenescimento seguro. Falam de uma mãe de 54 anos que aparenta ter a idade da filha. Imagino que se existem tantos anúncios é porque tem quem procure. Muita gente sonhando com uma vida photoshop.

Tudo perfeito, sem marcas nem rugas. E os cacos e espinhos? Com certeza estão em algum lugar, bem escondidinhos. Vida de gente perfeita é falsa, tediosa, desinteressante. O ser humano verdadeiro é imperfeito, cheio de contradições, frágil como a taça de cristal.

Olho a vida acontecendo e noto que perfeição é cobrança constante. No trabalho não aceitam falhas. Querem pessoas que parecem máquinas produzindo resultados, batendo metas, turbinando as estatísticas.

A ditadura do mercado molda pessoas que não querem mais ser pessoas. Querem ser empresas de sucesso.

Máquina quando quebra e não tem conserto vai para o lixo. Empresa de sucesso pode falir. Pessoa se desmonta e se monta de novo. Dos cacos faz mosaico. Dos retalhos faz colcha. E pode ficar até mais bonito assim. Vida é força tecelã. Forte como espinho. Frágil como flor. Jardim.

Quando novamente segurar uma taça de cristal, farei um brinde às imperfeições humanas e à capacidade que temos de aprendizado, nesse construto de cacos e espinhos. Cada um único no mundo, na corda bamba de todos os dias. E se a taça quebrar não tem problema.
 
A gente desmonta e monta. Somos todos equilibristas.  

(crônica publicada no jornal O Povo edição de 14/01/2013)

Um comentário:

Anônimo disse...

Extasiada com suas palavras, querida Ana que escreve com a Alma e faz a minha se movimentar junto =)