O quarto estava uma bagunça. As bonecas
espalhadas pelo chão eram o espelho do típico cenário pós-apocalíptico
depois de uma tarde de brincadeiras. Enquanto arrumava o quarto das
filhas, colocando os brinquedos em um baú, Gisele lembrou.
Episódios
da infância saltitavam da memória. Conseguiu até ouvir as gargalhadas
das crianças correndo na rua, a meninada subindo em árvores, tramando
aventuras. Nesses tempos não era perigoso ser criança na cidade. Os
muros eram baixos, as janelas desconheciam grades. No final da tarde as
pessoas colocavam cadeiras na calçada por apreciarem a união. E tudo
transcorria entre conversas e contemplações.
Aos poucos as cadeiras
deixaram de sair de casa.
E as pessoas acompanharam o
movimento das cadeiras. A cidade de belas paisagens subiu como um forte,
apagando histórias antigas, crescendo muros, impondo grades, cercada
por todo tipo de repelente de gente.
Gisele fala que
dia desses viu um outdoor com um anúncio de graduação em gestão de
segurança privada, a imagem para atrair os clientes parecia uma chamada
para um filme de ação hollywoodiano. Eu pergunto se ela leu as notícias
sobre Fortaleza, se soube que nossa cidade é uma das mais desiguais do
mundo. Disse que sim e que também leu que por aqui o hábito da leitura é
o menor do Brasil.
Perguntou-me se eu lembrava o dia, o
momento em que aprendi a ler. Puxei os fios das recordações e nada
encontrei para trançar. Acho que já nasci lendo, disse, aos risos. Nela,
ao contrário, o momento do início morava nítido.
Em um instante mágico, conseguiu unir as palavras, passou a ler frases, parágrafos, textos, livros. Achava que as palavras costumavam sonhar e que a função do leitor era dar vida ao sonho das palavras.
Em um instante mágico, conseguiu unir as palavras, passou a ler frases, parágrafos, textos, livros. Achava que as palavras costumavam sonhar e que a função do leitor era dar vida ao sonho das palavras.
Mais
tarde começo a ler O filho de Mil Homens, novo romance de Valter Hugo
Mãe. Lá encontro o seguinte: “pensava que quando se sonha tão grande a
realidade aprende”. Corri para abrir o baú das palavras que sonham. Lá
estavam as crianças correndo, as cadeiras na calçada, os muros
baixos e as janelas abertas para um mundo melhor.
Um comentário:
Legal o texto, Ana Valeska,
Guardo boas lembranças das suas aulas de Ciências Humanas(2012.2).
Continue sempre assim, ampliando a visão dos ouvintes, de um mundo melhor.
Jessé Santos
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