A ação costuma acontecer enquanto a cidade dorme. O desafio libera
adrenalina, o coração bate forte. Por dentro a sedução do medo de ser
flagrado, de cair das alturas, de se machucar. Medo que caminha junto
com o desejo de ser, de falar altivo: estive aqui. Plantar a marca
autoral em locais proibidos, alcançar espaços inimagináveis. Superar
limites, vencer o outro no quesito ousadia, confrontar regras sociais
excludentes.
Alguns chegam a escalar dez, vinte metros.
Talvez até mais. Avançam pelos muros das residências, igrejas,
comércios, prédios públicos, monumentos históricos. Do perigo dessas
ações brota uma linguagem que não conheço, e que sei, fala muito. Está
no muro de minha casa, está por toda a cidade. Assembleia Legislativa,
Centro de Eventos, o espigão da João Cordeiro. Nada escapa.
Claro
que pode cobrir, passar camadas de tinta, no desejo de querer apagar a
invasão. No entanto, pelo que observo, é questão de horas ou de poucos
dias para acontecer um novo preenchimento de espaço. Quem faz diz que é
arte, quem vê diz que é sujeira, lixo, vandalismo, poluição visual,
crime.
Li que existe um projeto de lei municipal com o
propósito de restauração de monumentos, muros e fachadas de imóveis
públicos, o que é ótimo, mas existe um caminho efetivamente direcionado
para compreender a linguagem que habita nossa cidade? Pois não há como
não reconhecer que o que vemos é mais profundo que a pele das coisas. É
algo que vai da superfície às entranhas. Dos prédios tecnológicos às
cavernas rupestres. Em todos os tempos existe o desejo de ser.
Olho
novamente para o muro pichado de minha casa. Preferia que não fosse
assim? Claro. Entretanto, ao mesmo tempo sei que não basta cobrir a
pichação. Para além da imagem que não entendo existe uma voz que quer
ser escutada. Nesse ano que se inicia e mesmo na instabilidade dos
tempos movediços que vivemos, ainda cultivo esperanças de olhares mais
profundos, de políticas públicas efetivas e gestores realmente sensíveis
no trato dessa realidade social que grita e que não pode mais ser, para
tantos, antecipada como epitáfio.
(texto publicado no jornal O Povo, edição de 31/12/2012)
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