Acho que sou como você: não gosto de filas. Costumo sempre levar um
livro para não desperdiçar meu precioso tempo nos intermináveis minutos
em filas. Faço isso enquanto aguardo atendimento em banco, supermercado,
médico. Aprendi a acreditar que qualquer espera deve ser preenchida com
algum sentido.
Dia desses esqueci o livro. Sem meu
refúgio habitual tive que observar o mundo ao redor de mim. Constatei o
que já sabia: a espera irrita as pessoas. O olhar impaciente dirigido
aos ponteiros dos relógios, um agitar de pernas, a cara de poucos
amigos. Na fila ao lado duas adolescentes sorriam para a câmera do
celular, ensaiando poses.
Espiando o interesse das
adolescentes pelas imagens fui recordando outros tempos. Comecei a
fotografar com rolo de filme, e existia uma coisa mágica no tempo da
espera pelo resultado das fotos. Costumava utilizar todos os recursos
técnicos que sabia, harmonizando a sensibilidade do filme com a luz
adequada. O resultado, inúmeras vezes, fugia das expectativas criadas.
Esse
tempo de espera pelo resultado, grosso modo, foi abatido pela obtenção
instantânea proporcionada pela tecnologia. Em um piscar de olhos a
imagem ganha publicidade, curtições, comentários e se desfaz. Li em um
dos escritos de Roland Barthes: “seja o que for que ela dê a ver e
qualquer que seja a maneira, uma foto é sempre invisível: não é ela que
vemos”.
O que é este invisível presente nas fotos? Uma parte
de nós? Uma projeção? A presença oculta do tempo de espera? Olho
novamente para a fila e estou quase lá, na boca do caixa. Preenchi meu
tempo com pensamentos. Na mesma fila algumas pessoas puxam conversa, e
aproveito para participar também do diálogo. É uma conversa agradável,
desarmada, sadia. Um encontro de pessoas que não se conheciam e que
provavelmente nunca mais se encontrarão. Nessas pequenas doses do dia
existem encantamentos e acho que costumava ler durante o tempo das filas
porque é mais seguro ficar fechada em meu mundo. A vida, no entanto, é
como o resultado do tempo de espera das fotos com rolo de filme. Tem
surpresas, alegrias e decepções reveladas para quem se arrisca viver.
(artigo publicado no jornal O Povo, edição de 19/11/2012)
2 comentários:
Oi Ana,adorei o blog,com o fim das aulas posso sempre passar por aqui e ler seus textos!parabéns :)))
Nossa, me identifiquei um bocado com isso. O refúgio dos livros, a vontade de ficar quieta, não ser surpreendida por uma conversa, uma observação ou que quer que seja que tenha o potencial de te remexer nessa rotina toda moldada para dar certo, ser funcional, sem percas de tempo. Mas espera, não era pra gente estar vivendo no final das contas? E a vida não é exatamente um amontado de inesperados nos chamando pra dançar? ;)
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