Na obra Seis propostas para o próximo milênio, Italo Calvino trata,
no capítulo sobre a visibilidade, de um receio extraído da observação
dos caminhos humanos inundados pelo dilúvio de imagens pré-fabricadas.
Para ele, existe uma faculdade humana fundamental que está ameaçada por
nossa civilização hiper tecnológica: o pensar por imagens.
O
anúncio de Calvino levou-me ao poema de Helena Kolody, chamado Fio
d’Água. ”Não quero ser o grande rio caudaloso que figura nos mapas.
Quero ser o cristalino fio d’água que canta e murmura na mata
silenciosa.” Levo o simbolismo do grande rio e do fio d’agua para a
aventura humana da existência e penso no trabalho do escritor, dando
corpo à fusão do sonho com a realidade, dos acontecimentos públicos e
dos pensamentos, desejos e angústias nos espaços secretos da alma de
alguém.
Nesse fluxo, ainda ontem, ao ler uma matéria sobre o
resultado do sempre polêmico prêmio Jabuti, paro ao encontrar uma
referência a respeito de entrelaçamento entre o real e o sonho na
produção literária. O livro vencedor na categoria de melhor romance é
Nihonjin, de Oscar Nakasato. A obra narra aspectos da imigração japonesa
no Brasil, com ênfase no microcosmo dos dramas humanos.
Instigada
pelo tema do livro, encontro na internet entrevistas com Nakasato. Em
uma delas o autor fala sobre o percurso na construção da obra: “para
compô-la, pesquisei livros de sociologia e antropologia, além de me
basear em histórias contadas por meus pais”. Imaginei Nakasato ouvindo
narrativas e criando seus mundos. O entrelaçar do imaginário do menino
com as emoções dos pais rememorando fatos, um homem atravessando o rio
de Heráclito, criando o real como invenção e a literatura entretecida de
imagens da vida.
Creio que pensar por imagens representa uma
possibilidade de abrir caminho de fuga do acúmulo contemporâneo.
Desdobrar o pouco. Resistir ao superficial do muito. Recriar e reordenar
o existir. O rio e o fio d’água em constante imbricar.
(artigo publicado no jornal O Povo, edução de 03-12-2012)
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