segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Pensar por imagens

Na obra Seis propostas para o próximo milênio, Italo Calvino trata, no capítulo sobre a visibilidade, de um receio extraído da observação dos caminhos humanos inundados pelo dilúvio de imagens pré-fabricadas. Para ele, existe uma faculdade humana fundamental que está ameaçada por nossa civilização hiper tecnológica: o pensar por imagens.

O anúncio de Calvino levou-me ao poema de Helena Kolody, chamado Fio d’Água. ”Não quero ser o grande rio caudaloso que figura nos mapas. Quero ser o cristalino fio d’água que canta e murmura na mata silenciosa.” Levo o simbolismo do grande rio e do fio d’agua para a aventura humana da existência e penso no trabalho do escritor, dando corpo à fusão do sonho com a realidade, dos acontecimentos públicos e dos pensamentos, desejos e angústias nos espaços secretos da alma de alguém.

Nesse fluxo, ainda ontem, ao ler uma matéria sobre o resultado do sempre polêmico prêmio Jabuti, paro ao encontrar uma referência a respeito de entrelaçamento entre o real e o sonho na produção literária. O livro vencedor na categoria de melhor romance é Nihonjin, de Oscar Nakasato. A obra narra aspectos da imigração japonesa no Brasil, com ênfase no microcosmo dos dramas humanos.

Instigada pelo tema do livro, encontro na internet entrevistas com Nakasato. Em uma delas o autor fala sobre o percurso na construção da obra: “para compô-la, pesquisei livros de sociologia e antropologia, além de me basear em histórias contadas por meus pais”. Imaginei Nakasato ouvindo narrativas e criando seus mundos. O entrelaçar do imaginário do menino com as emoções dos pais rememorando fatos, um homem atravessando o rio de Heráclito, criando o real como invenção e a literatura entretecida de imagens da vida.

Creio que pensar por imagens representa uma possibilidade de abrir caminho de fuga do acúmulo contemporâneo. Desdobrar o pouco. Resistir ao superficial do muito. Recriar e reordenar o existir. O rio e o fio d’água em constante imbricar.

(artigo publicado no jornal O Povo, edução de 03-12-2012)

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