Em um percurso ao acaso pela estante de livros encontro um poema de
Antônio Cícero. Vida, valeu. Não te repetirei jamais. Há quem diga que
acasos não existem. Se assim for composta a vida, de aparências de
acasos, o poema de Antônio Cícero em tom derradeiro deu continuidade ao
caminho de reflexões aberto desde que assisti ao filme Gonzaga: de pai
para filho.
Vi a história de dois viajantes.Um no
papel de pai, Luís Gonzaga do Nascimento, conhecido como o Rei do Baião.
Cria do sertão, banhado pelo sol na contemplação da secura da paisagem.
No sertão deitou suas raízes, inclusive quando meteu o pé na estrada
por esse Brasil afora. Em um momento de sua vida entendeu que a pessoa
pode deixar o sertão, mas o sertão nunca abandona a pessoa. Foi com o
reencontro da voz do sertão que Gonzagão musicou a vida de muita gente e
encontrou a força de sua arte.
O filho, Luís Gonzaga do
Nascimento Jr., cresceu como filho do pai famoso, um pai que ele não
conhecia. Lembrei-me de um texto de Cecília Meireles, quando ela tece o
argumento que a formação humana é a base de toda a criação artística. A
história do artista Gonzaguinha é a história de um menino em seu
abandono, que viveu a tristeza no âmago do ser, dor e dúvida desaguando
no adulto introspectivo, compositor de letras densas, de voz
melancólica. Uma voz que sempre tocou meu coração.
Gosto da
simbologia da estrada, da vida como uma viagem. Do percurso em
territórios desconhecidos, tradutor do que é, afinal, o viver. A
imperiosa escolha do caminho de todos os dias: dobrar, seguir adiante,
fugir, voltar.Voltar quantas vezes for necessário.
Gonzagão e
Gonzaguinha, o encontro tardio de pai e filho, sobretudo o encontro de
dois homens que conseguiram ver além das cobranças e das ausências.
Durante um tempo caminharam juntos, na mesma estrada. A série de shows
Vida de Viajante explicitou esse momento. Nas entrelinhas, do que migra
para a vida de outras pessoas, cultivo a esperança do encontro de tantos
pais e filhos separados pelas vicissitudes da vida. “Por que o
importante não é chegar lá, é poder voltar”, escreveu Gonzaguinha.
(Artigo publicado no jornal O Povo, edição de 05-11-2012)
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