segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Não te repetirei jamais

Em um percurso ao acaso pela estante de livros encontro um poema de Antônio Cícero. Vida, valeu. Não te repetirei jamais. Há quem diga que acasos não existem. Se assim for composta a vida, de aparências de acasos, o poema de Antônio Cícero em tom derradeiro deu continuidade ao caminho de reflexões aberto desde que assisti ao filme Gonzaga: de pai para filho.

Vi a história de dois viajantes.Um no papel de pai, Luís Gonzaga do Nascimento, conhecido como o Rei do Baião. Cria do sertão, banhado pelo sol na contemplação da secura da paisagem. No sertão deitou suas raízes, inclusive quando meteu o pé na estrada por esse Brasil afora. Em um momento de sua vida entendeu que a pessoa pode deixar o sertão, mas o sertão nunca abandona a pessoa. Foi com o reencontro da voz do sertão que Gonzagão musicou a vida de muita gente e encontrou a força de sua arte.

O filho, Luís Gonzaga do Nascimento Jr., cresceu como filho do pai famoso, um pai que ele não conhecia. Lembrei-me de um texto de Cecília Meireles, quando ela tece o argumento que a formação humana é a base de toda a criação artística. A história do artista Gonzaguinha é a história de um menino em seu abandono, que viveu a tristeza no âmago do ser, dor e dúvida desaguando no adulto introspectivo, compositor de letras densas, de voz melancólica. Uma voz que sempre tocou meu coração.

Gosto da simbologia da estrada, da vida como uma viagem. Do percurso em territórios desconhecidos, tradutor do que é, afinal, o viver. A imperiosa escolha do caminho de todos os dias: dobrar, seguir adiante, fugir, voltar.Voltar quantas vezes for necessário.

Gonzagão e Gonzaguinha, o encontro tardio de pai e filho, sobretudo o encontro de dois homens que conseguiram ver além das cobranças e das ausências. Durante um tempo caminharam juntos, na mesma estrada. A série de shows Vida de Viajante explicitou esse momento. Nas entrelinhas, do que migra para a vida de outras pessoas, cultivo a esperança do encontro de tantos pais e filhos separados pelas vicissitudes da vida. “Por que o importante não é chegar lá, é poder voltar”, escreveu Gonzaguinha. 

(Artigo publicado no jornal O Povo, edição de 05-11-2012)

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