sábado, 12 de abril de 2014

A arte e os sonhos II

Obra: “A persistência da memória”, Salvador Dali, 1931. Óleo sobre tela, 24cmx33cm. MoMa, Nova York, EUA. 

Falamos em nosso texto anterior sobre a relação dos sonhos com a arte, tratando um pouco da perspectiva psicanalítica e destacando a obra “O sonho de Constantino”,  de Piero Della Francesca. Para nosso texto de hoje evoco novamente os escritos de Freud, principalmente o trabalho que abriu a psicanálise para o mundo: “A interpretação dos sonhos”, obra publicada em 1900. 
“A interpretação dos sonhos” abriu caminho novo, impactou e revolucionou uma época e continua a estender seu campo de ação na contemporaneidade. Analisando as noções sobre o sonho até então elaboradas, Freud lança seus porquês, cujo principal questionamento reside nas perguntas: os sonhos possuem um significado? Este pode ser interpretado?  Simpatizando com a noção popular de que os sonhos possuem um sentido, ele tece um método de interpretação dos sonhos, fundamentando-os na linguagem do inconsciente e explicitando a ligação existente entre sonhos e a realização de desejos reprimidos.
Admirador dos clássicos, Freud era colecionador de antiguidades e escreveu textos sobre Leonardo e Michelangelo. No entanto, as concepções de Freud acerca dos sonhos e do inconsciente afetaram a produção de artistas de vanguarda das primeiras décadas do século XX. Movimentos artísticos e literários exaltavam a obra do pai da psicanálise, mesmo que este “pai” não fosse entusiasta da produção artística de vanguarda. Como já dito anteriormente, em matéria de arte, Freud preferia os clássicos.
O surrealismo emerge oriundo de vários movimentos anteriores, como o dadaísmo. Em comum nesses movimentos estava a ruptura com cânones estabelecimentos e uma abertura a novas linguagens e representações. Para os observadores da época essas inovações eram incômodas, estranhas, sem sentido, desconexas. Sem uma narrativa de conteúdo de sentido manifesto, pareciam-se muito com a trama de um sonho.
O sonho instiga um campo fértil de produção para o movimento. Salvador Dali (1904-1989) é um dos artistas que mais se destacaram nessa linguagem. Podemos ver na tela “A persistência da memória” um cenário estranhamente onírico, com relógios de bolso moles, formigas, um litoral vazio, melancólico e uma figura inusitada com imensos cílios, de olhos fechados.  Que tempo é esse, que a imagem manifesta? Um tempo que escorre, fluido, líquido. Um tempo que, ao buscamos agarrá-lo, escapará de nós.

(publicado também no segundaopiniao.jor.br)







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