Título
da obra: “Diego em meu pensamento”, Frida Kahlo, 1943.
Em
um domingo de quietude, passeio os olhos pelas estantes de livros, direcionando
meu pequeno percurso para o local que abriga os livros de arte. Encontro duas
biografias que prendem meu olhar. Folheio as páginas, agora amareladas pelo transcurso
do tempo, encontro anotações e grifos antigos. Sei que algumas pessoas não anotam
nada em seus livros, mas costumo dizer que os livros que recebem anotações são
os livros realmente “habitados”.
Era
1994 quando adquiri os primeiros escritos sobre a vida e a obra das artistas Frida
Kahlo e Camille Claudel. Além da magnitude das obras, recordo que um ponto marcante
foram as narrativas envolventes sobre as paixões em ambas as histórias: Camille
e Auguste Rodin; Frida e Diego Rivera. Marcando, assim, uma profunda ligação
entre vida amorosa e obra.
Camille
Claudel (1864-1943) costuma ter a imagem atrelada ao escultor Auguste Rodin
(1840-1917), inclusive no tocante ao desenvolvimento de sua obra. O caráter tempestuoso
de sua relação com Rodin ensejou diversas biografias, filmes, documentários e
estudos acadêmicos. Delbée (1988, p. 40) ressalta esse associar à figura do
mestre, destacando o sofrimento de Camille, que “retorce o coração”, sabendo
que será um “eco triste do ser amado”:
Camille entre suas quatro paredes
brancas. O sofrimento amargo e duro. O sofrimento que retorce o coração.
Camille bate na parede, com suas mãos irmãs, grita o nome aos espelhos, como se
lhe fossem dar o ser amado, a luz que ela espera, a luta que ela quer
recomeçar. Lassidão e sobressalto, recusa, quando é preciso confessar-se
vencida, e no entanto ela já sabe que aos olhos do mundo será sempre o eco
triste do ser amado.
Camille
Claudel foi uma mulher de forte personalidade, possuía um comportamento atípico
para a época em que viveu. Desafiando as proibições impostas às mulheres, fazia
esculturas de homens nus, algo incomum no século XIX. O contato com Rodin
possibilitou que ela recebesse a orientação de um grande artista. No entanto, a
forte paixão que brotou desse encontro e o rompimento turbulento da relação,
conduziram Camille por um caminho perigoso, descontrolando-a emocionalmente. A artista passou por várias crises psíquicas e
foi internada pela família em um manicômio. De lá nunca mais saiu. Viveu em uma
instituição manicomial por trinta anos, até seu falecimento em 1943.
Seu
trabalho é dotado de uma expressividade única. Destaco as obras: “A pequena
sereiazinha”, O Sankutala (1888), “A
valsa”, (1892), Clotos (1893), “A idade
madura” (1899), que demonstram o
apuro técnico da artista.
Décadas
depois, em Coyoacán, no México, Frida Kahlo também assume posturas
diferenciadas. Além de vestir-se vez ou
outra com roupas masculinas, privilegiava a cultura nativa, adotando roupas e acessórios
pré-colombianos na composição de seu estilo. As vestes tehuana estavam comprometidas com seu posicionamento político, pois
Frida lutava pela consciência nacional mexicana, pela arte mexicana
independente. Ela e outros artistas mexicanos, como Siqueiros e o próprio
Rivera, levantavam a bandeira do partido comunista, e esse era um tema forte,
principalmente nas pinturas muralistas, das quais Diego Rivera é o principal
representante no México.
Entretanto,
existem dois pontos ainda mais marcantes na obra de Frida Kahlo: a dor, as sequelas
físicas do acidente que sofreu quando tinha dezoito anos e as angústias do amor
intenso por um conquistador irrefreável, como era Rivera. Frida representava
suas dores com toda a crueza que sua arte permitia. Vísceras, sangue, pedaços
dos filhos mortos, as dores físicas e simbólicas foram escancaradas na obra de
Frida Kahlo.
Diego Rivera chegou a ter um caso com
a irmã mais nova de Frida, Cristina. Doeu demais e é célebre a pintura que
Frida realizou após esse episódio: aparece com os cabelos cortados, os fios
espalhados pelo chão e vestida como homem. Despojada de sua feminilidade, ela
sofria amargamente. Os biógrafos afirmam que suas dores pioravam muito quando
estava separada de Diego. Viveram entre idas e vindas, separações e
reconciliações. Apesar de Frida ter se relacionado com outras pessoas, Diego
Rivera é sempre destacado em sua arte e escritos autobiográficos como seu
grande amor. Refere-se a Diego em seu diário como: “meu namorado, amante,
marido, pai, mãe, filho, universo”. Outras frases são emblemáticas, surgem como
um grito de lamento: “Diego, estou só!” ou ainda: “Porque eu o chamo meu Diego?
Ele nunca foi ou será meu. Ele pertence a ele mesmo”.
Referências:
DELBÉE, Anne. Camille Claudel, uma mulher. São Paulo:
Martins Fontes, 1988.
JAMIS, Rauda. Frida Kahlo. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
Ana Valeska Maia Magalhães (publicado no www.segundaopiniao.jor.br)
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