sábado, 19 de abril de 2014

Histórias de arte e paixão

Título da obra: “Diego em meu pensamento”, Frida Kahlo, 1943. 

Em um domingo de quietude, passeio os olhos pelas estantes de livros, direcionando meu pequeno percurso para o local que abriga os livros de arte. Encontro duas biografias que prendem meu olhar. Folheio as páginas, agora amareladas pelo transcurso do tempo, encontro anotações e grifos antigos. Sei que algumas pessoas não anotam nada em seus livros, mas costumo dizer que os livros que recebem anotações são os livros realmente “habitados”.
Era 1994 quando adquiri os primeiros escritos sobre a vida e a obra das artistas Frida Kahlo e Camille Claudel. Além da magnitude das obras, recordo que um ponto marcante foram as narrativas envolventes sobre as paixões em ambas as histórias: Camille e Auguste Rodin; Frida e Diego Rivera. Marcando, assim, uma profunda ligação entre vida amorosa e obra.
Camille Claudel (1864-1943) costuma ter a imagem atrelada ao escultor Auguste Rodin (1840-1917), inclusive no tocante ao desenvolvimento de sua obra. O caráter tempestuoso de sua relação com Rodin ensejou diversas biografias, filmes, documentários e estudos acadêmicos. Delbée (1988, p. 40) ressalta esse associar à figura do mestre, destacando o sofrimento de Camille, que “retorce o coração”, sabendo que será um “eco triste do ser amado”:
Camille entre suas quatro paredes brancas. O sofrimento amargo e duro. O sofrimento que retorce o coração. Camille bate na parede, com suas mãos irmãs, grita o nome aos espelhos, como se lhe fossem dar o ser amado, a luz que ela espera, a luta que ela quer recomeçar. Lassidão e sobressalto, recusa, quando é preciso confessar-se vencida, e no entanto ela já sabe que aos olhos do mundo será sempre o eco triste do ser amado.

Camille Claudel foi uma mulher de forte personalidade, possuía um comportamento atípico para a época em que viveu. Desafiando as proibições impostas às mulheres, fazia esculturas de homens nus, algo incomum no século XIX. O contato com Rodin possibilitou que ela recebesse a orientação de um grande artista. No entanto, a forte paixão que brotou desse encontro e o rompimento turbulento da relação, conduziram Camille por um caminho perigoso, descontrolando-a emocionalmente.  A artista passou por várias crises psíquicas e foi internada pela família em um manicômio. De lá nunca mais saiu. Viveu em uma instituição manicomial por trinta anos, até seu falecimento em 1943.  
Seu trabalho é dotado de uma expressividade única. Destaco as obras: “A pequena sereiazinha”, O Sankutala (1888), “A valsa”,  (1892), Clotos (1893),A idade madura” (1899), que demonstram o apuro técnico da artista.
Décadas depois, em Coyoacán, no México, Frida Kahlo também assume posturas diferenciadas.  Além de vestir-se vez ou outra com roupas masculinas, privilegiava a cultura nativa, adotando roupas e acessórios pré-colombianos na composição de seu estilo. As vestes tehuana estavam comprometidas com seu posicionamento político, pois Frida lutava pela consciência nacional mexicana, pela arte mexicana independente. Ela e outros artistas mexicanos, como Siqueiros e o próprio Rivera, levantavam a bandeira do partido comunista, e esse era um tema forte, principalmente nas pinturas muralistas, das quais Diego Rivera é o principal representante no México.
Entretanto, existem dois pontos ainda mais marcantes na obra de Frida Kahlo: a dor, as sequelas físicas do acidente que sofreu quando tinha dezoito anos e as angústias do amor intenso por um conquistador irrefreável, como era Rivera. Frida representava suas dores com toda a crueza que sua arte permitia. Vísceras, sangue, pedaços dos filhos mortos, as dores físicas e simbólicas foram escancaradas na obra de Frida Kahlo.
          Diego Rivera chegou a ter um caso com a irmã mais nova de Frida, Cristina. Doeu demais e é célebre a pintura que Frida realizou após esse episódio: aparece com os cabelos cortados, os fios espalhados pelo chão e vestida como homem. Despojada de sua feminilidade, ela sofria amargamente. Os biógrafos afirmam que suas dores pioravam muito quando estava separada de Diego. Viveram entre idas e vindas, separações e reconciliações. Apesar de Frida ter se relacionado com outras pessoas, Diego Rivera é sempre destacado em sua arte e escritos autobiográficos como seu grande amor. Refere-se a Diego em seu diário como: “meu namorado, amante, marido, pai, mãe, filho, universo”. Outras frases são emblemáticas, surgem como um grito de lamento: “Diego, estou só!” ou ainda: “Porque eu o chamo meu Diego? Ele nunca foi ou será meu. Ele pertence a ele mesmo”.

Referências:

DELBÉE, Anne. Camille Claudel, uma mulher. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
JAMIS, Rauda. Frida Kahlo.  São Paulo: Martins Fontes, 1992.


Ana Valeska Maia Magalhães (publicado no www.segundaopiniao.jor.br) 

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