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“O sonho de Constantino” 329x190 cm (1452-1456),, de Piero Della Francesca. Afresco, Capela Magiore, Igreja de São Francisco, Arezzo,
Itália.
Jorge Luís Borges (2010) fala que não existe um
único homem que não seja um descobridor. Começamos descobrindo o amargo, o
salgado, o côncavo, o liso, o áspero, as sete cores do arco-íris e as vinte e
tantas letras do alfabeto; passamos pelos rostos, mapas, animais e astros, para
finalmente concluirmos pela dúvida ou pela fé, ou ainda, pela certeza quase total da própria
ignorância.
Creio que Sigmund Freud se deu conta de uma maneira
muito peculiar sobre a vastidão dos territórios inexplorados do universo humano.
Assim como Borges, Freud indagou-se sobre descobertas, contatos, afetos e quis
descobrir os efeitos dessa miscelânea de possibilidades na floresta
desconhecida do eu. Observou atentamente o que se revelava, em fala e sintoma, para
encontrar camadas escondidas ou metamorfoseadas. Paulatinamente deu ênfase aos
começos que nos acompanham por todo o existir, como a relação que estabelecemos
com mãe e pai e os acontecimentos determinantes e esquecidos da primeira
infância. Perscrutou também como tudo isso reverbera, mesclado ao conjunto de
afetos do dia anterior, na trama de um sonho.
Freud não foi o primeiro desbravador do microcosmo
humano, nem foi o primeiro a propor um conhecimento mais profundo de nós mesmos
(a filosofia grega clássica já havia muitos séculos antes, lançado a proposta
do “conhece-te a ti mesmo”). Freud, no entanto, inovou por ir além, de uma
maneira tão profunda e rica ao ponto de criar um novo método de conhecimento do
ser humano, a psicanálise.
Desde a antiguidade, os sonhos intrigam os seres
humanos. Muitos povos nativos acreditavam que quando dormiam suas almas saíam
de seus corpos e temporariamente entravam em outro mundo. O sonho era a
lembrança dessa estranha visita. Recordo de José do Egito, talentoso em
decifrar enigmas oníricos, garantindo prosperidade para a corte do Faraó. No
âmbito de minha família lembro que minha avó era afeiçoada à crença popular de
que o sonho é aviso de acontecimento futuro. Meu tio, ao contrário,
desacreditava dos poderes oníricos. Para ele um sonho “era apenas um sonho,
nada mais”.
Dizem que Constantino, o primeiro imperador
cristão, recebeu a mensagem de sua conversão por intermédio de um sonho. Esse
sonho foi transportado para o pictórico em um afresco de Piero Della Francesca,
intitulado “O sonho de Constantino” (1452-1456), localizado na Capela Magiore
da Igreja de São Francisco, em Arezzo. Na imagem, enquanto Constantino dorme, às
vésperas de uma batalha crucial, dois guardas e um servo garantem a
tranquilidade de seu sono. Acima, um anjo em forma de pássaro dá o
direcionamento da mensagem divina. As escolhas cromáticas do mestre do
“Quattrocento” (ou o Renascimento no século XV), permitem a criação de uma aura
que transita entre o onírico e o real, dissolvendo as fronteiras de separação
entre os dois mundos.
Apesar das controvérsias a respeito da veracidade
do sonho do imperador, (já que colocam fatores políticos como os que realmente
ensejaram a conversão de Constantino), podemos ver a força do sonho na criação
de um imaginário cultural. Outros artistas exploraram a temática do sonho como
um aviso divino, como Giotto (O sonho de Joaquim) e Rembrandt (O sonho de José),
obras e artistas que tratarei em textos futuros. No entanto, em nosso próximo
texto, o foco será direcionado a um movimento artístico do século XX, que
elegeu a linguagem dos sonhos como um campo fértil de produção artística: o
Surrealismo.
Referências
bibliográficas
BORGES, Jorge Luís. Atlas: Jorge Luís Borges com Maria
Kodama. São Paulo: Companhia das Letras: 2010.
(texto originalmente publicado em http://segundaopiniao.jor.br/)
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