domingo, 1 de dezembro de 2013

No cerne da tempestade



William Turner, considerado por muitos o maior pintor inglês da história, lançava impiedosamente o espectador na turbulência das águas. As imagens de Turner, as que mais me impressionam, exibem a natureza imperiosa no esplendor de sua força. A presença humana é reduzida em barcos mínimos, quase tragados pelas gigantescas ondas. Mar revolto, mar adentro, tempestade, tormenta, vento em fúria, abismo.

É inquietante ter o barco à mercê das forças das ondas. Recordo a aula sobre Turner e o prolongado silêncio dos alunos, maravilhados com a obra do artista e igualmente perturbados, forçados a um desvio de rota. Influenciados pela sensação de deriva, dialogamos sobre o poder da arte e a capacidade de incomodar, surpreender, arrancar mordaças e fazer falar.

O debate prosseguiu sobre a coragem, essa virtude tão admirada e, por que não dizer?, rara em nossos dias. Nossa contemporaneidade produziu seus medos, cultivou um imaginário lucrativo de proteção, dominado pela lógica empresarial, para o qual nos resta apenas obediência e adaptação. O que dizer de uma sociedade que vende segurança? Cercas elétricas, câmeras para vigilância, monitoramento 24 horas, monitoramento via internet. Multiplicam-se as grades tecnológicas. Todas, prisões.

É claro, existe o medo, o trauma da violência, a dor, a perda, a morte. Entretanto, não estamos proibidos de pensar sobre as manipulações, as distorções da pseudo segurança comercializada, como se, adquirindo os pacotes prontos, finalmente pudéssemos sossegar, em paz. Isso é ilusão. O que determina o medo e a segurança, nesses termos, é a ideologia.

Volto às imagens de Turner e associo à escrita de um amigo que diz: “Para encontrar calmaria, é preciso plantar o coração no cerne da tempestade”. Assistimos todos os dias a cenas de desespero, humilhação, fome e morte. Tornaram-se banais.

O susto diante das imagens de Turner reafirma a potência da arte. Entre outras possibilidades, a arte faz falar, como no sonho, sobre nossos desejos e medos mais profundos. 

(crônica publicada no jornal O Povo, edição de 29/11/2013; imagem: Willian Turner)

Um comentário:

Sérgio Costa disse...

Me encontro aqui, agora, diante das tuas palavras novamente. E que falta senti delas, Ana! Foi um ano assumidamente turbulento. Coincidência encontrar esse texto aqui, agora? Certamente não. Me lancei em (várias) tempestades neste 2013. Te confesso que descobri coisas em mim que não gostaria de demonstrar a ninguém. Mas foi preciso.. justamente pra descobrir onde preciso mudar pra me tornar melhor. A tempestade foi necessária! E sempre será.
Que alívio encontrar um porto nas suas palavras, querida Ana. Vou me inspirar pra voltar a escrever nessas férias também e te mostrar algum texto bonito e inédito no começo do semestre. Obrigado de novo. Estou devendo um abraço! :)