segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Dezembro por dentro

É fácil observar dezembro por fora. Está nas luzes da cidade, nas ruas congestionadas e barulhentas, na irritação dos motoristas, na decoração kitsch dos shoppings, na grosseria dos consumidores. Dezembro por fora está nas confraternizações de empresas e repartições. Está nas propagandas que ressaltam que o importante de tudo é o amor e que este sentimento tão sublime deve ser celebrado com presentes legitimados pelo mercado.

Por ser tão por fora, por mostrar-se escancaradamente nas embalagens, dezembro é um mês que irrita muita gente. Alguns fogem, embarcam num avião para bem longe e enxergam as luzes de natais estrangeiros. Outros são vitimados por alguma doença oportunista como desculpa para escapar das celebrações familiares. Há os que ficam tristes e assumem o isolamento. Para muitos, dezembro não é um mês fácil.

Mas, de repente, dezembro chega por dentro. Garimpa discretamente um lugar, faz um trabalho minucioso, silencioso, na contramão do burburinho de fora. Convida a uma aprendizagem solitária chamada reflexão. Atitudes, egoísmos, falhas, generosidades, desejos realizados e desejos frustrados. Enfim, o que fomos em 2013 é passado a limpo. Na reflexão, percebemos que estamos sempre aprendendo a viver.

Depois de arrumar um pouco o espaço interior, é hora de sonhar outra vez. Dezembro por dentro aprecia a terra, gosta de lançar sementes, prepara o território do novo, imagina jardins. Hilda Hilst escreveu: “Canta! Ainda que se desfaçam ilhargas, trilhas... canta o começo e o fim. Como se fosse verdade. A esperança”. Apesar das dores, apesar dos machucados do existir. Sempre há uma chama acesa enquanto não chegam os primeiros raios de sol. Sem esperança é impossível viver.

Heráclito, o filósofo, defendia a eterna mudança. É nesse fio estreito que separa um ano do outro que são renovados sonhos. Enquanto for possível preencher o silêncio com palavras, avançamos.

E janeiro será sempre repleto de jardins.  

Ana Valeska Maia Magalhães

(crônica publicada no jornal O Povo, edição de 27/12/2013)

Um comentário:

Sérgio Costa disse...

Que de nossos janeiros - hoje e sempre - brotem as melhores renovações (conscientes, condicionadas ou não) sempre. E com muitos bons frutos pra compartilhar e saborear. Ana, você é a tradução mais fiel do que é o amor. Frutifique-nos sempre com sua palavra-pão, palavra-fruto e palavra-semente. Beijo enorme!