É fácil observar dezembro por fora. Está nas luzes da cidade, nas
ruas congestionadas e barulhentas, na irritação dos motoristas, na
decoração kitsch dos shoppings, na grosseria dos consumidores. Dezembro
por fora está nas confraternizações de empresas e repartições. Está nas
propagandas que ressaltam que o importante de tudo é o amor e que este
sentimento tão sublime deve ser celebrado com presentes legitimados pelo
mercado.
Por ser tão por fora, por mostrar-se
escancaradamente nas embalagens, dezembro é um mês que irrita muita
gente. Alguns fogem, embarcam num avião para bem longe e enxergam as
luzes de natais estrangeiros. Outros são vitimados por alguma doença
oportunista como desculpa para escapar das celebrações familiares. Há os
que ficam tristes e assumem o isolamento. Para muitos, dezembro não é
um mês fácil.
Mas, de repente, dezembro chega por dentro.
Garimpa discretamente um lugar, faz um trabalho minucioso, silencioso,
na contramão do burburinho de fora. Convida a uma aprendizagem solitária
chamada reflexão. Atitudes, egoísmos, falhas, generosidades, desejos
realizados e desejos frustrados. Enfim, o que fomos em 2013 é passado a
limpo. Na reflexão, percebemos que estamos sempre aprendendo a viver.
Depois
de arrumar um pouco o espaço interior, é hora de sonhar outra vez.
Dezembro por dentro aprecia a terra, gosta de lançar sementes, prepara o
território do novo, imagina jardins. Hilda Hilst escreveu: “Canta!
Ainda que se desfaçam ilhargas, trilhas... canta o começo e o fim. Como
se fosse verdade. A esperança”. Apesar das dores, apesar dos machucados
do existir. Sempre há uma chama acesa enquanto não chegam os primeiros
raios de sol. Sem esperança é impossível viver.
Heráclito, o
filósofo, defendia a eterna mudança. É nesse fio estreito que separa um
ano do outro que são renovados sonhos. Enquanto for possível preencher o
silêncio com palavras, avançamos.
E janeiro será sempre repleto de jardins.
E janeiro será sempre repleto de jardins.
Ana Valeska Maia Magalhães
(crônica publicada no jornal O Povo, edição de 27/12/2013)
Um comentário:
Que de nossos janeiros - hoje e sempre - brotem as melhores renovações (conscientes, condicionadas ou não) sempre. E com muitos bons frutos pra compartilhar e saborear. Ana, você é a tradução mais fiel do que é o amor. Frutifique-nos sempre com sua palavra-pão, palavra-fruto e palavra-semente. Beijo enorme!
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