sábado, 10 de agosto de 2013

A cidade eventual

Costumo passar em frente ao aeroporto de Fortaleza todos os dias. Faço meu percurso por terra, mas, sempre que um avião rasga o céu, decolando ou aterrissando, viajo um pouco junto, imaginando o destino das pessoas. Será que seguem rumo a alguma cidade desconhecida? Quais afetos brotarão desse encontro com a cidade? No fluxo desse tear imaginativo, lembro das palavras de Jorge Luís Borges, quando diz que não existe um único homem no mundo que não seja um descobridor. 
Na condução dos rumos inesperados do pensamento, imagino que talvez um dos passageiros dos aviões que pousavam retornasse a Fortaleza. Vamos supor que a primeira visita desse passageiro hipotético tenha acontecido durante o período dos jogos da Copa das Confederações. O que ele viu ao sair do aeroporto? Jardins cuidados, que se mantinham durante o percurso, meio-fio pintadinho, calçadas limpas. O que ele verá agora? Grama seca, mato crescido, compartilhando espaço com o lixo. Talvez ele fique espantado com o rumo das coisas e pergunte a si mesmo sobre o que aconteceu. Afinal, nem dois meses se passaram e os jardins expostos ao público que antes brilhavam em suas regas diárias exibem agora a triste face do abandono.
Ele então saberá que Fortaleza arrumou-se toda para receber as visitas, caprichou na maquiagem para participar do “evento”. Uma cidade que se mostra bela de acordo com as circunstâncias, uma cidade eventual. Não somos, no entanto, moradores eventuais nem cidadãos circunstanciais. Na rotina de nossos afazeres percebemos o investimento público desperdiçado em obras “para inglês ver”. Investimentos que arcamos com o custo de nossos esforços, com a cobrança de uma carga tributária que nunca é eventual. 

Esse foi um dos pontos que encontraram eco e continua a reverberar na crítica ao império do progresso, que permanece associando crescimento com a construção de viadutos ou obras megalomaníacas como um hiper aquário. Esse fluxo mantém aberta uma ferida antiga, que foi e continua a ser a bandeira do colonizador, ao exigir, em uma suposta proposta de negociação, que sua vontade prevaleça.
(crônica publicada no jornal O Povo, edição de 09/08/2013)

Um comentário:

Paulo Sarubbi disse...

Neste comentário a autora fala de um grito preso na garganta que está angustiando todo cidadão de bem da nossa malfadada Fortaleza!