sábado, 27 de julho de 2013

Deus existe?

Das inúmeras perguntas que as crianças me fazem, uma das mais delicadas é a inevitável: Deus existe? Penso que, ao chegar a este tipo de questionamento, a criança percebeu que não é possível provar a existência de Deus. Ela está diante da angústia das perguntas sem respostas. Mesmo que respostas positivas sejam fornecidas, essas serão provenientes de fonte religiosa, cujo amálgama com o indivíduo dá-se pela crença, pela fé. A resposta escapa, portanto, aos poderes da razão e da ciência. 
Desta forma, não posso dizer que sim. Nem devo dizer que não. Mesmo crendo ou não crendo em Deus. Fecharia o caminho do outro, seria autoritário, impositivo, cruel. A resposta possível é um singelo “não sei”.
Lembro-me da primeira vez que fiz a pergunta sobre a existência de Deus. Era o primeiro dia em uma nova escola. Antes da aula, a professora ordenou à turma que todos ficassem em círculo e dessem as mãos para rezar o pai-nosso. Um dos garotos recusou-se a participar. A professora indagou o motivo. Sou ateu, ele disse. Todos olharam para o garoto como se estivessem diante de um alienígena perigoso. Durante todo o ano, ele ficou no canto da sala, sendo veladamente hostilizado pelos colegas e pela professora.

Na época, eu não sabia que estava diante de uma manifestação de intolerância pela diferença, pela não crença do outro. Era uma menina impactada com a evidência de que as crenças humanas prendem mais do que libertam. De que as pessoas e suas instituições podem tomar posse do conceito de Deus, de terras e coisas. Fluiu o tempo e fui constatando que as imposições de modos de ser, pensar, desejar, acreditar, constituem uma marca indelével da humanidade. Das religiões aos sistemas econômicos. Cabe a cada um, em meio a este mapa repleto de estradas, encontrar um caminho possível.
Um caminho que nos leve também a tolerar as escolhas do outro. Como ainda é longa e sinuosa a estrada que conduz ao amor e ao respeito, “demo-nos por felizes se formos tolerantes”, diz André Comte-Sponville. 

Ana Valeska Maia Magalhães

(texto publicado no jornal O Povo, edição de 26/07/2013)

2 comentários:

Anônimo disse...

Ana, seu belo texto me lembrou uma entrevista do Gilberto Gil. Vou reproduzir aqui as palavras dele:
''Essa presença impositiva do divino sobre o humano, impositiva no sentido de obrigar o ser humano a uma confissão religiosa; escolha de um Deus, personificação de um Deus. A noção que a vida me ofereceu foi que Deus é desconhecido, que a tentativa de trazê-lo para o plano do conhecimento e comungar da nossa dimensão mundana... Tudo isso é construção propriamente humana, necessidade nossa. Deus, pra mim, não diz o que eu devo ou não devo fazer, pois isso quem diz sou eu. O que posso e respeito no divino é o fato que ele é criativo e receptivo. Ele pode dá a guia e o perdão, a compreensão. Deus é onde cabe tudo. É difícil admitir a existência de um deus que delimite o território; isso deve, isso não deve. Ele tá aqui no inicio e no fim de todas as coisas, vai lança-lo e recebe-lo, mas ele não tem nada a ver com o que eu faço. O que exige o respeito a todos os deuses, da origem que for. Deus é desconhecido, ele não precisa de nome, tem todos os nomes que quiser dá''.

Larissa

Ana Valeska Maia disse...

Adorei Larissa, cheiro enorme pra ti!