segunda-feira, 11 de março de 2013

Olho mágico

Quando ouvi o som da campainha, pensei: enfim, chegou! Passos apressados e encaixo o olho direito para ver se é verdade. E o olho mágico confirma. Chave girando, porta abrindo, bem no momento de presenciar a ação do funcionário dos Correios, retirando a caixa de dentro da caminhonete. Abro um largo sorriso, como costuma sorrir quem está para receber uma encomenda ansiada.

Então, vi o garoto. Ele olhava com imensa atenção, era todo olhos. Acenei um oi, ele sorriu de volta, tímido pelo flagrante. O homem dos Correios, sem esperar pergunta, já foi dizendo: é meu filho, desenhando um gesto largo para deixar evidente o tamanho do amor. Entrega realizada, fiquei observando a caminhonete seguir caminho. Os dois foram embora, mas não me deixaram. Fui enlaçada pelo olhar do garoto.

Achei bonito de ver a alegria do garotinho encantado com a profissão do pai. Pensei como essa percepção fez morada no ser da criança. Vi um menino feliz com seu olhar mágico. Enquanto observava atentamente a reação das pessoas recebendo seus pacotes, ele também colecionava sorrisos.

Fez-se o laço com a força da infância e lembrei de Persépolis, da iraniana Marjane Satrapi. Nos quadrinhos, o olhar da menina Marji misturava constantemente fato e ficção. Dessas simbioses, brotaram percepções criativas. Em qual fase da vida deixamos de apreciar os encantos dessas misturas e simbioses? Em algum momento, somos forçados a aprender que as nossas grandes importâncias da infância não são mais tão importantes. Nosso olhar perde a nitidez, passa a captar o que está programado pelas prioridades adultocêntricas.

A poesia faz o caminho de volta para esse olhar mágico. Incentiva uma aprendizagem de desaprender, como disse Fernando Pessoa. Já fomos como o menino que coleciona sorrisos? Deixamos de ser assim? “A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um sabiá mas não pode medir seus encantos”, diz Manoel de Barros.

(crônica publicada no jornal O Povo, edição de 11/03/2013)

Um comentário:

Sócrates disse...

Viva o momento, aqui, agora.