Quando ouvi o som da campainha, pensei: enfim, chegou! Passos
apressados e encaixo o olho direito para ver se é verdade. E o olho
mágico confirma. Chave girando, porta abrindo, bem no momento de
presenciar a ação do funcionário dos Correios, retirando a caixa de
dentro da caminhonete. Abro um largo sorriso, como costuma sorrir quem
está para receber uma encomenda ansiada.
Então, vi o garoto.
Ele olhava com imensa atenção, era todo olhos. Acenei um oi, ele sorriu
de volta, tímido pelo flagrante. O homem dos Correios, sem esperar
pergunta, já foi dizendo: é meu filho, desenhando um gesto largo para
deixar evidente o tamanho do amor. Entrega realizada, fiquei observando a
caminhonete seguir caminho. Os dois foram embora, mas não me deixaram.
Fui enlaçada pelo olhar do garoto.
Achei bonito de ver a
alegria do garotinho encantado com a profissão do pai. Pensei como essa
percepção fez morada no ser da criança. Vi um menino feliz com seu olhar
mágico. Enquanto observava atentamente a reação das pessoas recebendo
seus pacotes, ele também colecionava sorrisos.
Fez-se o laço
com a força da infância e lembrei de Persépolis, da iraniana Marjane
Satrapi. Nos quadrinhos, o olhar da menina Marji misturava
constantemente fato e ficção. Dessas simbioses, brotaram percepções
criativas. Em qual fase da vida deixamos de apreciar os encantos dessas
misturas e simbioses? Em algum momento, somos forçados a aprender que as
nossas grandes importâncias da infância não são mais tão importantes.
Nosso olhar perde a nitidez, passa a captar o que está programado pelas
prioridades adultocêntricas.
A poesia faz o caminho de volta
para esse olhar mágico. Incentiva uma aprendizagem de desaprender, como
disse Fernando Pessoa. Já fomos como o menino que coleciona sorrisos?
Deixamos de ser assim? “A ciência pode classificar e nomear os órgãos de
um sabiá mas não pode medir seus encantos”, diz Manoel de Barros.
(crônica publicada no jornal O Povo, edição de 11/03/2013)
Um comentário:
Viva o momento, aqui, agora.
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