(obra de Marc Chagall)
Um desabafo não sai de meus pensamentos. Uma amiga, que também é professora, manifestou um profundo descontentamento acerca do cotidiano do professor. “Estou cansada demais”, disse, olhando-me com olhos fundos de súplica. No dia seguinte, em uma aula, um estudante de 21 anos, que também já se sentia cansado demais pela caminhada da vida, manifestou a angústia pela frustração de não conseguir dar conta das tarefas diárias, muito menos das acadêmicas. “Não dá tempo professora, é muita pressão”.
O sentimento de opressão é comum em nossos tempos. A sensação é de perda constante, de um tempo que escorre, sempre a fugir de nossa busca. Ter tempo hoje parece ser coisa rara, de quem possui privilégios. Estranhos tempos. Nesse rumo, há alguns dias li um texto de outra amiga professora, mais um conjunto de palavras casadas com o cansaço. Ela argumentava sobre a quantidade de metas a cumprir, de produção acadêmica para caber em estatística. Em um momento indaga: “Qual o tempo do livre pensador”?
Eu, aproveitando a preciosidade dos tempos raros, já que também sofro com imposições e cansaços, busco socorro na poesia como estratégia de desencaixe das normas impostas. Rota de fuga da angustiante realidade tributada aos humanos-máquina, os escritos poéticos abrem janelas para o fluxo de novos ares. Afetados por esse respirar diferente, a sensação de não ter possibilidades de escolha aos poucos se desfaz. Outros caminhos são abertos e das metas passamos ao fantástico reino das metáforas.
Existe um poema de Gilberto Gil que recebe este título, “Metáfora”. “Uma lata existe para conter algo, mas quando o poeta diz: “Lata” pode estar querendo dizer o incontível. Uma meta existe para ser um alvo. Mas quando o poeta diz: “Meta” pode estar querendo dizer o inatingível (...)”
Penso sempre nessa vida nossa de todos os dias com mais metáforas do que metas. Recheadas com as palavras dos poetas, esses seres que transformam as metas diárias em metáforas ampliando as possibilidades do viver. Poetas que sabem fazer com a lata o que ninguém faz: nelas cabe o incabível.
Ana Valeska Maia Magalhães
(texto publicado no jornal O Povo, edição de 25 de março de 2013)
Um comentário:
Na celeridade da pós-modernidade, o indivíduo é negado em favorecimento do sistema mercantil-utilitarista, censurando o tempo livre, incutindo a culpa do não laborar... Mas quando o indivíduo se desafoga das responsabilidades e pode se deleitar no tempo livre, o que se configura, muitas vezes, não é o imergir nas reflexões e questionamentos, não é o ócio filosófico, mas o entorpecimento.
Larissa Paes
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