segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Um pouco mais de delicadeza


Lá em casa teve briga de cachorro. Duas fêmeas que estão em conflito, querendo cada uma dominar o território. Dentes e unhas de fora e eu no aperreio de apartar a briga, com cuidado para não sobrar pra mim. 
Elas são disciplinadas, obedecem aos comandos. Só que as duas querem ser alfa. O cão alfa é o líder da matilha, é o poderoso da história. É a referência para os outros cães do grupo, que obedecem e acolhem sua supremacia. 
Nem sempre a gente se dá conta da nossa animalidade. Nós, os animais humanos. Fomos metodicamente educados para a vida em sociedade e controlamos a exibição de nossas unhas e dentes para funcionarem como estandartes de esmaltes e sorrisos. E quando dá vontade de soltar os bichos presos? Partir pra cima do desafeto, como fazem os outros animais que nem são tão vorazes assim quanto os humanos?
Para isso, usamos as palavras e os silêncios. Quando as palavras têm como fonte um impulso raivoso e, se a pessoa não consegue filtrar o sentimento, a palavra é parida como insulto.
Ontem presenciei uma briga de trânsito. Um animal fechou a passagem do outro. O ofendido com a atitude alfa saltou do carro, gritando seus insultos e os dois, em um piscar de olhos, estavam atracados num tear mais complexo de separar do que o dos cães. Segui meu rumo com a sensação de que só não presenciei uma tragédia porque felizmente nenhum deles portava arma de fogo.
Lembro que li uma referência sobre o primeiro homem a proferir um insulto contra seu inimigo, no estudo “Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos”, de Sigmund Freud. Ao utilizar a agressão das palavras em substituição a agressão física, esse homem teria fundado a civilização. 
Como corre a vida e vou pedindo: um pouco mais de delicadeza, por favor. Avançamos tanto em tecnologia, dominamos o mundo de fora e desabitamos o mundo de dentro. Não conseguimos ainda governar a nós mesmos. Podemos recomeçar lapidando as palavras. Delicadas, polidas, fiéis, generosas, corajosas, gratas, justas, doces, amorosas palavras.
(Artigo publicado no jornal O Povo, edição de 25-02-2013)

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