sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

As estradas guardam segredos


As horas passaram como sempre passam. O tempo humano inventado para as horas, os minutos, segundos e dias segue, disciplinada e constantemente, seu percurso. O tempo das horas segundos minutos passa por mim e eu estou passando pelo tempo, mas o que passa por mim que eu deveria agarrar? O que passa por mim e eu deveria deixar ir embora?
Joana olhou para o relógio: faltam ainda três horas para o sol nascer.
Observando o movimento dos ponteiros, Joana espera alguma luz, alguma definição, direcionamento, algum caminho, alguma certeza em suas escolhas.
Em seus pensamentos, acorre um fluxo de imagens e junto delas, um jorro de sentimentos. Do encontro entre pensamentos e sentimentos surgem caminhos. Cada passo desenha um destino. Caminhando pela estrada da vida ela encontrou diversas encruzilhadas, e nesse momento tinha que decidir entre uma estrada e outra.
Ela obedeceu ao caminho do sentimento, e permaneceu firme em seus passos. Mesmo assim, ainda era confuso, pois mais na frente ela percebeu que até os sentimentos estavam divididos, e foi então que, caminhando pela estrada escolhida, Joana encontrou uma nova encruzilhada.
Um sentimento queria percorrer a estrada conhecida, buscava a sombra, o prazer, a emoção de um amor que nunca se fará inteiro e que portanto, nunca será amor.
O outro sentimento clamava pelos mistérios do movimento, por algum segredo que possa ser desvendado e que, ao ser conhecido, se revele inteiro e verdadeiro. Essa estrada é desconhecida e portanto, insegura.
Olhou para a estrada do primeiro sentimento com um olhar de acúmulo. Respirou profundo.
Seguiu pela estrada do segundo sentimento.
Sabia que as estradas guardam segredos e decidiu encontrá-los. Instintivamente procurou subir. Percorreu serras, montanhas e picos. Dirigiu por mais de três horas, subindo, subindo e parou o carro no mesmo momento que seus olhos presenciaram o nascimento da luz do dia.
Começou a caminhada, os passos sempre a subir. Seguindo seu coração, percebia que o caminho da estrada escolhida pelo segundo sentimento apresentava divisões e bifurcações. Cada direção é uma escolha e cada escolha determina futuros. Caminhava e escolhia cada trilha, cada atalho. Seus passos promoviam um farfalhar de folhagens, seus olhos viam frondosas árvores, flores desconhecidas, borboletas multicoloridas pousando em seus ombros, pássaros exóticos e a luz do sol. Enquanto percorria a estrada aberta pelo segundo sentimento percebeu que alguns caminhos abertos em outros tempos, por outros sentimentos ou pensamentos, podem se reencontrar. Mas o encontro nunca é o mesmo, é sempre um outro caminho que será traçado.
Os passos de Joana eram passos de quem quer achar a verdade. A verdade das melodias. A verdade das embocaduras. A verdade das notas escondidas nas entrelinhas. A verdade camuflada no tempo pelas camadas de dor. A verdade de um espírito que se sabe eterno. A verdade dos caminhos. Para descobrir onde está a sua própria verdade, a sua própria vida, e realmente viver.
Então Joana viu um córrego, viu a água correr, viu a água cumprir seu percurso. Viu que ela era como a água, sempre caminhando, se desmoronando e se refazendo. Caminhou às margens da água corrente, acompanhou o riacho, entrou no riacho das águas que correm, buscando um sonho-verdade heraclitiano, uma iluminação maior, e sorriu bonito, sorriu aberto como uma criança sorri enquanto banhava-se nas águas do rio. Aquelas águas cicatrizaram todas as suas feridas. Sentiu e entendeu tudo, entendeu sua verdade, encontrou seu caminho. Voltou pela mesma estrada que veio e encontrou coisas na volta que não tinha visto na ida. Porque cada tempo é único, cada momento é único. No caminho de volta pra casa, encontrou uma Samaúma gigante, contemplou aquela árvore sagrada, a rainha da floresta, a mãe-das-árvores e sentiu que seu caminho estava ali, zelando pela natureza, levando o sentimento de amor que inundava seu coração para todos os caminhos que seguisse de agora em diante. Ouviu um estrondo, a terra tremeu e a Samaúma deu sua benção para todos os seres da natureza.
Enquanto voltava para o carro, encontrou um morador da serra, que perguntou:
- Está perdida, moça, sabe como voltar?
E Joana respondeu sorrindo:
- Sei moço, muito grata pela gentileza, mas eu me encontrei, meu amigo, eu me encontrei.

15 comentários:

gloria disse...

sei não mulher, fico tão muda quando percorro tuas linhas. Joana sabe dos caminhos, sabe se dissolver porque pode se recompor. sabe das encruzilhadas porque entende que pouco importa os caminhos e sim os trajetos. os movimentos. eu fico pressionada pelas tuas palvras mas, não se preocupe. pressionada por mais vida! bjs

Franzé Oliveira disse...

Vixi menina como queria dizer essas palavras "mas eu me encontrei, minha amiga, eu me encontrei.


Brigado pelas suas visitas, viu? Bjos com carinho.

Mônica. disse...

Aninha! Que escrito lindo! É assim mesmo que a vida é (ou deve ser)!
De vez em quando a gente se perde, mas se seguirmos em frente, sentindo...nos achamos.
Ow saudade de te dar um abraço!
Aninha, torce por mim! Ando sentindo algumas borboletas no estômago!
Beijo grande em tu!

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Aline Lima disse...

alumbramento todo teu texto.
alumbramento agudo se encontrar assim. (:

com amor sempre,
.aline.

Fulvio Ribeiro disse...

dizem :que o homem não chora...deve ser por que poucos apreciam a arte.
Esplendido,só acharemos a verdade se procurarmos com o coração.
Parabéns.
abçs.
Fulvio.

Anônimo disse...

Não tem coisa mais prazerosa do que seguir pelas estradas outrora desconhecidas e descobrir mundos jamais vistos, principalmente quando tais mundos são o nosso próprio universo,aquilo que somos, fomos e queremos ser.
Indentifiquei-me por demais com a personagem JOana. Vi-me diante de um espelho. Você é realemnte um ser fascinante, Ana. Consegue alcançar o cerne da alma das pessoas com suas palavras e até mesmo com seu olhar que exala tanto carinho!

beijos pra você!

genetticca disse...

Nois podemos fazer o mesmo percurso cien vezes a näo percever
tudo o que encontramos nele.
Podemos olhar enquanto isso o cel muda de cor cien vezes,e náo percever a diferencia.
Se pode encontrar o amor e näo reconhezer.
Mais siempre se pode errar e componer.

Um bejo cheio de sensivilidade.

Anônimo disse...

Que a princesa da floresta se faça sempre presente na sua vida!! Luana

Eduardo Matzembacher Frizzo disse...

As horas são a prisão da ventre. As horas não deixam nascer. As horas são as grades da vida que fazem com que cada esquina seja apenas um compromiso por cumprir e um risco em nossa agenda. Se cresce alguma flor num canto mudo da rua, o milagre desse fato nenhum Drummond desvendou. Se passa na noite muda uma cavalo à galope de asfalto e isso me faz largar o despudor do Bressane, talvez um Fellini mais me valha. Por isso, ainda que horas faltem e ainda que tanto digam para que inventemos as mesmas, como se fosse possível esganar o sono e a preguiça de deitar no sofá e ouvir Radiohead, necessário é tramar linhas como as suas, encontrando reflexos de si em cada silêncio que passa e em cada pássaro nesse meu amanhecer de olheiras. E ainda que saiba que o dia será longo e tão-somente quatro horas me alcançaram descanso, sei que isso me basta, sei que o outro que em mim é trará substância suficiente para que nada disso atrapalhe o correr do sol e da lua - binômio que se faz quietude no pampa e no sertão, cavalgando poetas com esses amores inventados que em linhas tortas insistimos, seja por vício ou ócio do absurdo de tudo, tramar dia após dia na praia das virtualidades cuja face desconhecemos. Um beijo pra ti, poeta do movimento, ser de um ser sem nome nomeada apenas de peito.

Cordelirando disse...

obrigada pela visita a nosso blog. tenha um suave fim de semana!
bj
salete maria

Tainá Facó disse...

Não some assim... Preciso te ler!!!

UM BEIJO!

gloria disse...

oi ana, tem um selo para você no meu blog. bjs

Eduardo Matzembacher Frizzo disse...

Eis um selo para você no meu blog. Grande beijo!

Anônimo disse...

Para mim, a vida tem sido uma espiral de encontros e desencontros comigo mesmo: em meus encontros tenho de concertar as coisas que meus desencontros desequilibraram.

Porém, em cada encontro inspiro a força, a coragem, a determinação que me preparam para o próximo desencontro.

Enquanto isso, tenho meditado:
- esta espiral de encontros e desencontros é infinita, ou existe maneira de me libertar dela?
- libertando-me dela, não terei novamente de nela entrar para auxiliar outros a libertarem-se também?
- e afinal, para que é que a espiral foi criada?

LPA