quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Intensas!


“Queria que lhe dessem atenção, ao mesmo tempo queria estar só, só consigo mesma”
Anne Delbée, sobre Camille Claudel.


Ontem tive duas mulheres intensas bem na minha frente: a atriz Ceronha Pontes e a escultora Camille Claudel (1864-1943), no “pausa dramática” no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura.
A primeira vez que vi Ceronha Pontes foi na montagem que ela fez de “Um comedor de ópio”, de Charles Baudelaire. Fiquei de queixo caído. A performance de Ceronha é sempre inesquecível. Têm muita força. Ela é uma mulher excepcional, magnífica, talentosíssima, intensa. É atriz, roteirista e diretora. Uma artista de verdade.
Falo “artista de verdade” porque quero ressaltar aquele ponto perigosíssimo que ilude alguns cooptados pelas seduções do mercado. Artista só é artista de verdade quando a arte é a razão do seu existir. Não dá para ser artista meio período. Você pode até ter afazeres, profissões, paixões, amores, filhos, mas tudo, tudo mesmo, o que o artista faz, tem que estar conectado, visceralmente amalgamado, com a arte que realiza, que transborda dele. O fazer artístico é tão fundamental quanto o ato de respirar. Sem a arte não há vida. O artista é um ser intenso que sentiu um chamado. É irrefreável.
Camille Claudel foi uma grande artista. Dona de uma personalidade indomável, possuía um comportamento atípico para a época em que viveu. Provavelmente hoje ainda causaria choque. Antes de conhecer Auguste Rodin (1840-1917) já fazia esculturas de homens nus. Após conhecer Rodin, teve um romance tempestuoso com ele, tornou-se sua amante e aprendiz. Com o tempo, cansada de ser a outra ou ainda, de ser explorada por Rodin, necessitou ter mais autonomia em seu estilo e rompeu com a dependência do mestre e amante. Para os homens, era aceitável e até natural possuírem amantes. Para uma mulher artista, no final do século XIX, uma vida autônoma era um caminho árduo para trilhar. A artista passou por várias crises psicológicas, foi acuada, incompreendida, amaldiçoada e tirada de circulação. Internada pela família em um hospício, nele permaneceu por trinta anos até morrer.
No século XIX, ainda vigorava o preconceito de que homens e mulheres eram seres intelectualmente diferentes. Os homens seriam capazes de feitos incríveis, próprios da criatividade do gênio. As mulheres, possuíam faculdades apenas imitativas. Além disso, a mulher artista ainda teria que enfrentar a questão da inacessibilidade à formação (o acesso às escolas profissionais era exclusivo para os homens) e a objeção radical da família. Estudo a partir de modelo vivo? Nem pensar na hipótese. Constituía algo indecente para as mulheres. O comportamento da mulher artista significava uma maneira desviante, quase marginal de existir.
O trabalho de Camille Claudel é dotado de uma expressividade única – “A pequena sereiazinha”, O Sankutala (1888), “A valsa”, (1892), Clotos (1893), “A idade madura” (1899); dentre tantas outras obras, demonstram o apuro técnico da artista, além da alma que ficou gravada, com a firmeza do mármore, em cada peça que produziu.
Ontem estive próxima de artistas de verdade. Isso me deu muito fôlego. Por ter ar para respirar, sigo intensamente e vivo.

12 comentários:

Anônimo disse...

Lindo, Ana. Sua escrita - intensa como Camille - nos transporta para o palco (e para a vida). Por que não publicar esse texto como resenha em nossos jornais locais?
Ass.: Overdadeiroanônimo

gloria disse...

eu também sai silenciada e cheia de intensidades desse trabalho de Ceronha. Camille, um tanto de nós, mulheres em combustão. É um brado de humanidade. VoCê conseguiu tào bem traduzir o teu (nosso) sentimento. lindo! bjs

Fayga disse...

Lindo, Ana! Ou melhor: Valeskona!!!!:-)
Lembro de como fiquei mexida quando assisti àquele filme sobre a vida dela. Não conseguia reconciliar o sono e precisei fazer-lhe um poema pra que pudesse, enfim, adormecer. Saudades suas.
Fayga

Tainá Facó disse...

Flor, eu soube por Aline que escreveste um livro! Estou super encantada com essa sua realização! Que lindo, maravilhoso!
Parabéns!

Ah, e quero ler, viu?

Beeeeijo ;*

P.S.: Lindo texto!

Ana Valeska Maia disse...

Fayguita! que saudade! que bom ter tua visita!

Anônimo disse...

Oi, tia Val.
Você escreve com a mesma paixão que vive. Admiro isso. Admiro você.

E EU TAMBÉM TE AMO!!! (isso é a tua cara!) rsrsrs

Beijo.

Ricardo Soares disse...

Enquanto eu dormia
A chuva caía
Os barrancos despencavam
E as luzes dos morros indicavam
Que nessa estranha geografia
Dormir é morrer aos pouquinhos

Enquanto eu dormia
Um tempo arrevesado se extraiu
Do tempo de sono que perdi
E esse tempo inexato desbarrancava
Dentro do conceito de tempo que eu reinventava

Ricardo Soares

Aline Lima disse...

Esse espetáculo é lindo! Ceronha arrasa! =)

Anônimo disse...

Quero mais!!!

Bj.

Tainá Facó disse...

Anda sumida, flor! :/

eDu Almeida disse...

Ana, estou com tantas saudades suas q vc nem imagina!! Vai se aproximando essa época e estou ficando triste, pois queria estar com alguém que não pensa como eu. Queria tanto te ouvir falar algo. Sinto sua falta!
Ah e seu texto mais uma vez lindo, assim como vc.
Saudades sempre...

Ana Valeska Maia disse...

Edu, fica triste não. Vamos combinar um café! também estou com saudades.