domingo, 9 de novembro de 2008

Joana e o mar

Joana chegou nesse mundo consciente que o único caminho possível para a liberdade é seguir seu próprio caminho, e esses passos devem ser passos honestos. Na busca de seu caminho Joana precisou encontrar o mar. Esse rumo que se anunciava belo dentro dela, o do mar, era o único que nesse momento delineava algum percurso. Seu espírito clamava pelo mar, para ver seu movimento, ouvir sua música, conhecer seus mistérios, ser amada por ele. Pelo espírito do mar. Saber de sua matéria-prima. Nadar, flutuar, atravessar suas fronteiras. Mergulhar. Aprofundar-se em seus subterrâneos. Em seus navios submersos, em seus corais. Lembrou de uma estória da infância, de uma sereia apaixonada por um humano e que no final da estória, a sereia, após ter seu amor rejeitado pelo humano, torna-se espuma no mar.
Joana sempre ficava emocionada quando lembrava da estória da sereia que se transformou em mar por amor.
Tanto mar, tanto a-mar.
Um dos motivos de sua viagem marcava território: o encontro com o mar. Internamente Joana sabia que esse encontro ensejava apenas um pequeno começo e que grandes começos ainda estavam escondidos, ansiosos para nascer.
Caminhou por horas pela orla, contemplando o mar. Perdeu a noção do tempo até que foi lembrada de sua humanidade pela sede que sentia. Entrou no primeiro restaurante que apareceu, mas não sabia o que queria beber. Água talvez. Procurou uma mesa em um cantinho mais aconchegante e sentou. Antes que pedisse qualquer coisa ele apareceu. Olhou bem fundo nos olhos dela. Sempre mantendo o olhar no olhar, como quem confessa os maiores segredos do mundo, lentamente empurrou o copo na direção de Joana. A distância física entre eles era pouca, a mesa do restaurante bem pequena, feita com uma madeira muito antiga, tão pesada e colorida pela passagem do tempo que ostentava um ar de sabedoria, como se tivesse a consciência que nunca envelhecerá, pois sabe a consistência do material que a compõe. O lugar possuía uma rusticidade estranha, orgânica demais, parecia um lugar vivo. Na mesa, existia apenas uma garrafa de vinho vazia, servindo de luminária, de um verde fechado, com uma vela vermelha acesa, que despejava córregos de parafina por toda a extensão da garrafa.
Então ele olhou para Joana como quem ordenasse: bebe! Joana estremeceu. Ela estava com sede, mas porque ele entregava um copo tão pequeno, com um líquido tão escasso para saciar a sede? A ligação entre eles, recente, recentíssima, parecia tão antiga quanto as cores da mesa que os acolhia e por isso não autorizava rejeições. O primeiro gole foi tímido, como se tratasse de um reconhecimento do que passaria a fazer parte dela. Depois houve apenas o segundo gole, este já cônscio de que aquele líquido transportaria Joana para um lugar profundo e familiar.
Joana viu que também era espuma de mar e passou a ver muito mais: sou peixe, sou alga, sou cais, sou navio, sou jangada, sou pescador, sou golfinho, sou água que jorra fresca no córrego, sou planta nativa, sou besouro, sou lagarta, sou borboleta, sou avestruz, sou árvore, sou chama, sou jacaré, sou pássaro, sou cabra, sou floresta, sou leoa, sou loba, sou partícula e sou universo, sou um profundo coração humano que sabe que não existe separação entre nós, pois nada é fragmentado, tudo está unido por uma força maior que pode receber o nome de Deus e que nesse momento eu chamo amor.
Após saber que tudo está interligado a tudo partiu do restaurante e voltou caminhando pela beira da praia. Tirou as sandálias, para sentir o contato com a areia molhada e de vez em quando receber um banho nos pés. Por um momento parou para observar: entre seus dedos sempre ficava um restinho de espuma do mar. Então uma sede, diferente da anterior, instigou o nascimento de um novo começo, de um desejo em Joana. Uma sede-desejo que se chama vontade de viver.

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