quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Depois do vendaval

O olhar fixo no ventilador do teto. Uma brisa tímida atravessava uma fresta da janela, fazendo as hélices do ventilador girarem bem devagar. Deitada na cama do apartamento, o lento girar das hélices, combinadas com o calor, hipnotizaram Joana, colocando-a em uma espécie de torpor. Por um momento, conseguiu não pensar em nada. Apenas o olhar flanava pelo ambiente. Viu a maçã no prato, mas não pensou que era uma maçã e que deveria ser devorada. Viu as roupas jogadas no chão, mas não pensou que assim, destinadas ao pó, ficariam sujas e lhe demandariam trabalho extra. Não. Joana nada julgava. Apenas sentia.

Foi arrancada desse estado quase catártico pelo susto. A fúria se fez vento, que derrubou a janela e suspendeu violentamente a cortina vermelha. O acontecimento, no entanto, não a assustou.
Joana, nesse momento, já tinha voltado a pensar:
- Quando eu dirigir meu filme vou incluir essa cena. Um vento que estoura a janela e desestabiliza a firme cortina vermelha, assim como faz o amor quando invade o coração de uma mulher...

Suspirou. Esse vento que veio colérico poderia ser um sinal. Tinha consciência que seu caso com o vento era perigoso. E sentia que uma tensão já circulava no ar. Será que o vento sabia que era vento? Do seu poder? De sua força? Que poderia tanto ser carícia, música, quanto poderia tudo arrebatar e destruir? E, no caso deles, qual seria a escolha do vento?

Sacudiu a cabeça como se quisesse afastar os pensamentos e voltar a simplesmente sentir. Mas não tinha jeito. Os pensamentos permaneciam. Como num presságio.
Lá estava ele, o vento. Bem diante dela. Firmou a presença com um olhar de fogo. Agora Joana ficou assustada. Vento falou sem parar, afirmando suas visões de mundo.
- Será que tu realmente consegues me ver, Vento?

Joana tentou mudar o foco, incluindo Vento como tema principal. Que tal falarmos de cinema? Aquela cena em que você levanta o vestido da Marilyn, ou aquele beijo que faz tremer as bases em "depois do vendaval"? podemos migrar para imagens poéticas, um varal com lençóis brancos tremulando, ou as folhas de uma árvore balançando num tom diáfano, uma dama segurando o chapéu deixando convenientemente que ele voe para que seu amor possa buscar?
- Não Joana. Essas perturbações visíveis não me interessam. Quero ver o que posso fazer dentro de você.
E então Joana foi arrastada pela força do vento. Tentou até se segurar em alguma árvore, em algum mastro, mas foi em vão. O vento veio como furacão e virou Joana pelo avesso, rasgando sua pele por dentro. Depois, o vento a jogou no chão e por fim, a abandonou, no mesmo lugar em que antes os dois cultivaram um jardim e que tinha acabado de florescer. A paisagem de antes havia se transformado numa devastação só. Joana ficou estendida no chão, sem conseguir se mexer. Agora queria apenas pensar, pois sentir doía demais.

Nenhum comentário: