sábado, 10 de maio de 2014

A arte de encontrar caminhos

Mês passado visitei um hospital mental. Meu objetivo era entrevistar um profissional de saúde para um artigo científico. No entanto, não consigo esquecer algumas situações que vi na instituição. Começando pela porta de entrada. O olhar perscrutador do porteiro apontando a divisão das portas dos sãos e dos insanos. Considerou-me, enfim, uma pessoa “normal” e disse: “A senhora entra por ali”.
 O caminho “por ali” é percorrido por quem não é considerado doente mental. Passei por vários corredores enquanto caminhava até a sala de meu entrevistado. Observei, distribuídas pelas paredes, várias pinturas realizadas por pacientes, muitas com graus de sofisticação estética admiráveis. Lembrei da produção de Arthur Bispo do Rosário, como também das obras de alguns artistas do acervo do Museu das imagens do Inconsciente. Dentre eles, Fernando Diniz.
Fernando nasceu na Bahia. Era mulato, pobre, nunca soube quem foi o pai. Os desencontros de sua história conduziram-no ao Centro Psiquiátrico Pedro II, local onde passou a receber um tipo de tratamento, além dos medicamentos psiquiátricos. Telas, papéis, tintas e pincéis passaram a ocupar sua narrativa de vida. E ele se revelou um grande artista.
A médica Nise da Silveira é referência quando se fala de tratamentos alternativos e mais humanitários para quem sofre de algum tipo de patologia mental. Ela fundou ateliês de pintura e modelagem na seção de terapêutica ocupacional a partir de 1946, no Centro Psiquiátrico Pedro II.
Curioso notar como nas artes, a loucura é tema constante. Filmes, peças de teatro, obras visuais, espetáculos de dança e textos literários já exaltaram personagens denominados “loucos”.  Dom Quixote, o cavaleiro andante de Cervantes, acreditava que moinhos de vento eram perigosos gigantes. O leitor encanta-se com as façanhas do engenhoso fidalgo, mas se um Quixote contemporâneo, de carne e osso, repetisse as impressões que colhemos da literatura, como reagiriam as pessoas?
          O fato é que o tema da loucura é muito sedutor nas artes. Mas na vida, no cotidiano das pessoas, como um sujeito considerado “louco” é compreendido? Provavelmente nosso hipotético Quixote contemporâneo teria uma acolhida menos afetiva do que a do anti-herói literário. Além das vicissitudes dos sintomas da doença ele teria que lidar com o peso do estigma social.

          Encerro esse texto correndo o risco de pecar por excesso de romantismo, mas o fato é que tenho muita fé na arte. Acredito que a arte pode ser ponte entre caminhos historicamente segregados dos considerados sãos e dos taxados como insanos. Se arte e vida estão imbricadas, vivemos um momento propício de simbiose. No sentido de que a simpatia que nutrimos pelos loucos nas artes transborde para a vida, ao ponto de revelar a compreensão íntima de que a loucura é humana demais. 

(texto publicado também em www.segundaopiniao.jor.br) 

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