Mês
passado visitei um hospital mental. Meu objetivo era entrevistar um profissional
de saúde para um artigo científico. No entanto, não consigo esquecer algumas
situações que vi na instituição. Começando pela porta de entrada. O olhar
perscrutador do porteiro apontando a divisão das portas dos sãos e dos insanos.
Considerou-me, enfim, uma pessoa “normal” e disse: “A senhora entra por ali”.
O caminho “por ali” é percorrido por quem não
é considerado doente mental. Passei por vários corredores enquanto caminhava
até a sala de meu entrevistado. Observei, distribuídas pelas paredes, várias
pinturas realizadas por pacientes, muitas com graus de sofisticação estética
admiráveis. Lembrei da produção de Arthur Bispo do Rosário, como também das
obras de alguns artistas do acervo do Museu das imagens do Inconsciente. Dentre
eles, Fernando Diniz.
Fernando
nasceu na Bahia. Era mulato, pobre, nunca soube quem foi o pai. Os desencontros
de sua história conduziram-no ao Centro Psiquiátrico Pedro II, local onde
passou a receber um tipo de tratamento, além dos medicamentos psiquiátricos. Telas,
papéis, tintas e pincéis passaram a ocupar sua narrativa de vida. E ele se
revelou um grande artista.
A
médica Nise da Silveira é referência quando se fala de tratamentos alternativos
e mais humanitários para quem sofre de algum tipo de patologia mental. Ela
fundou ateliês de pintura e modelagem na seção de terapêutica ocupacional a
partir de 1946, no Centro Psiquiátrico Pedro II.
Curioso
notar como nas artes, a loucura é tema constante. Filmes, peças de teatro,
obras visuais, espetáculos de dança e textos literários já exaltaram
personagens denominados “loucos”. Dom
Quixote, o cavaleiro andante de Cervantes, acreditava que moinhos de vento eram
perigosos gigantes. O leitor encanta-se com as façanhas do engenhoso fidalgo,
mas se um Quixote contemporâneo, de carne e osso, repetisse as impressões que
colhemos da literatura, como reagiriam as pessoas?
O fato é que o tema da loucura é
muito sedutor nas artes. Mas na vida, no cotidiano das pessoas, como um sujeito
considerado “louco” é compreendido? Provavelmente nosso hipotético Quixote
contemporâneo teria uma acolhida menos afetiva do que a do anti-herói
literário. Além das vicissitudes dos sintomas da doença ele teria que lidar com
o peso do estigma social.
Encerro esse texto correndo o risco
de pecar por excesso de romantismo, mas o fato é que tenho muita fé na arte. Acredito
que a arte pode ser ponte entre caminhos historicamente segregados dos
considerados sãos e dos taxados como insanos. Se arte e vida estão imbricadas,
vivemos um momento propício de simbiose. No sentido de que a simpatia que
nutrimos pelos loucos nas artes transborde para a vida, ao ponto de revelar a
compreensão íntima de que a loucura é humana demais.
(texto publicado também em www.segundaopiniao.jor.br)
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