sábado, 2 de novembro de 2013

A vida que temos para amar


Domingo de sol alto, conversa e riso frouxo. Aqui por casa planejávamos algum passeio, já nem lembro. Recordo apenas do som. O toque do celular, a hesitação, a dúvida. Atendo a chamada de um número desconhecido? 

Atendi e o tom da voz do outro lado trancou a alegria do domingo. Fui do riso às lágrimas. É sempre muito difícil ser forçada a acabar uma história. É sempre muito difícil aceitar a morte de quem amamos.

“Filosofar é aprender a morrer”, disse Montaigne, que buscou inspiração em Cícero, que foi tocado pela reflexão de Platão. A morte é tema caro aos filósofos. Foi e sempre será um tema rico, pois, diante do fato da morte, elaboramos perguntas sem respostas conclusivas. Por ser mistério é também cara às religiões. A morte viceja em nossos anseios. Quem não a teme? Quem não teme a morte dos outros?

Leio Jorge Luís Borges que diz: as coisas que ocorrem a um homem ocorrem a todos. E penso como todos se sentem diante do impacto da morte de alguém querido. Será que também passam por algo parecido com um retorno à infância? Nesse retorno, será que a criança que um dia fomos consegue reconhecer o adulto que nos tornamos?

Diante da perda irreparável, a pressa e a blindagem dos dias perdem o sentido. Ao mesmo tempo em que recordamos com uma saudade doída os momentos vividos, somos fulminados por uma espécie de autopunição que indaga por que não fomos mais presentes, por que demos tanta importância ao que afinal não tem tanta importância. 

“Se queres amar a vida, se queres apreciá-la lucidamente, não te esqueças de que morrer faz parte dela”, anuncia André Comte-Sponville. A dor da morte auxilia a reacender em nós a importância de amar as pessoas nesta vida, que é a vida que temos para amar. A morte, ao expor a fragilidade da existência, diz nas entrelinhas: cuide de seu jardim, para que você se recorde dele florido, no alto da primavera. O amor que sentimos nunca deixa de adubar a saudade, que agora floresce na música que fazia minha avó sorrir.

Ana Valeska Maia Magalhães

crônica publicada no jornal O Povo, edição de 01 de novembro de 2013. 

Um comentário:

Wilton disse...

Linda reflexão! Tenha um ótimo fim de semana!