sábado, 20 de julho de 2013

Silêncio e literatura

Os sons do mundo anunciam problemas, crises, convulsões, incertezas de porvir. Manchetes pipocam os entrechoques de forças nos combates humanos e constatamos quem saiu ferido, quem ganhou a disputa, quem foi exterminado. Gira o mundo e aqui estamos nós, espectadores e partícipes, da arena do coliseu ao octógono do Anderson Silva. 
Caço o silêncio quando os ecos e as visões dos acontecimentos humanos pesam demais. Talvez funcione como um meio de aliviar o acúmulo dos dias irrefletidos, uma tentativa de observar de fora da casca os efeitos da pressão de corresponder às expectativas de minhas neuroses. Talvez seja uma forma de sobreviver. A forma que encontrei.
Depois do silêncio, busco a literatura, morada de outras palavras, livres de saturação. Alimentam-se de sobrevoos, mergulhos, estranhamentos, entranhamentos, invenções. Vicejam no ínfimo, no fragmento, no despercebido. Florescem em olhares como o de Marcovaldo, personagem de Italo Calvino, que não percebia as vitrines nem os letreiros luminosos ou clamores afins, mas notava atentamente as folhas caídas, um ramo verde abrindo caminho numa fenda no concreto, uma casca de fruta se desfazendo na calçada. Na banalidade dessas mudanças, na alternância de apodrecimento e renovação, ele encontrava muito dele mesmo, e o mundo mecanizado e hostil ganhava outros tons, cheiros, esperanças. Ele “podia esperar alguma coisa da vida, além das horas pagas pelo salário contratual”. 

Uma outra imagem mental abre passagem, fala do poeta Manoel de Barros. “Estamos entre ruínas. A nós, poetas destes tempos, cabe falar dos morcegos que voam por dentro dessas ruínas”. Voar entre ruínas, escapar do chão movediço, equilibrar-se na corda bamba, unir fragmentos, pensar renovadamente. “A vida é uma aventura, pode ser, deve ser”, diz André Comte-Sponville. 
Novamente o silêncio. Uma folha de papel em branco, a liberdade de não ser ninguém. Tela esperando tinta, alguma pré-coisa. Recomeço.

Ana Valeska Maia Magalhães



(artigo publicado no jornal O Povo, edição de 12/07/2013)

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