sábado, 29 de junho de 2013

Fotografar o tempo

Tenho um amigo artista que fotografa o tempo. Ao captar as marcas das transformações visíveis nas superfícies de corpos e coisas, ele busca a força oculta do invisível. Algo que sabemos que está lá, mesmo que não se revele. Então o observador vê a imagem do tempo impresso e, mesmo sem querer, dá um passo além da visão. Ele imagina. 
Não são as rugas ou o olhar cansado das pessoas. Nem a poeira incrustada no desgaste das paredes ou as grades enferrujadas em casas antigas. É a ideia do que foi vivido que interessa.
E as marcas do tempo que a juventude revela? Pergunto, buscando conexão com as manifestações que jorram pelo país. A juventude? Ela herda o tempo, diz o fotógrafo. Tempo herdado em pele fresca pode parecer contraditório, mas creio que existe possibilidade de avançarmos na tese do artista. Edgar Morin, em uma passagem sobre itinerância no texto “Para onde vai o mundo?” afirma que cada um vive uma pluralidade de vidas. Sua própria vida, a vida dos seus, a vida de sua sociedade, a vida da humanidade, a vida da vida.

Desta forma, penso que a energia do investimento coletivo frustrado que extravasa em tantas vozes contemporâneas também contempla ecos armazenados. Depósitos de esperanças que ultrapassam linhas geracionais próximas. Portanto, vidas dentro de vidas.
Caras pintadas de verde e amarelo, cartazes, atitudes e vozes que clamam por melhores condições nos serviços de saúde, educação, transporte, segurança. Vozes que gritam não queremos mais arcar com os ônus de tantos tributos sem usufruir. Vozes que agora confrontam desmantelos instituídos pelos políticos de ofício. Vozes que avisam: a forma de fazer política no Brasil terá que reinventar-se.

Volto a observar as fotografias do tempo de meu amigo e imagino. Nada sabemos sobre o futuro, mas com certeza cada tempo trará suas próprias dúvidas, opressões, resistências e transformações. Em qualquer tempo, estará em nós a força do invisível.
Algo que sabemos que está lá, mesmo que não se revele. Algo que buscamos alcançar, mesmo sem saber exatamente como. E então, o jorro. Reinvenção. 

(crônica publicada no jornal O Povo, edição de 28/06/2013)

3 comentários:

Gabriela Pimenta disse...


É isto mesmo, o tempo é o senhor da vida.Através dele talvez possamos imaginar a face da divindade, tão imprevisível como os movimentos que nos impulsionam a vivê-los e sermos
de algum modo participantes das ondas que fazem a história deste planeta.

Vera

Sérgio Costa disse...

O tempo deixa marcas, texturas e impressões. Como a gente reinterpreta e re-associa tudo isso numa conjunção de particulares atitudes é o que preocupa. Falo particularmente de algumas pessoas (sobretudo aqui em Fortaleza) que muitas vezes parecem debochar de quem é mais novo ou não tem expertise em determinado assunto - por conta de falta de "tempo" ou de não ter vivido determinadas coisas.

Fim de semana passado me peguei quase discutindo com uma pessoa da família da minha namorada sobre o quanto essas manifestações são importantes. Eu disse "as pessoas querem liberdade e querem lutar por um país melhor", ao passo que ela defendia: "O Brasil tem é que voltar a ser comandado por militares! Naquela época é que era bom. Você não viveu pra ver isso...". Daí respondi: "Mas eu estudei tudo isso, tia. Sou sociólogo, acho que compreendo um pouco". E daí veio a justificativa do "tempo": "mas você não viveu!". Me retirei da discussão pra evitar ser grosseiro mediante à opinião rasa e sem fundamento dela.. Quer dizer que o fato de eu não ter vivido a época significa que sou ignorante, que não sei pelo que o país passou e que - muito metaforicamente - se repete agora? Isso me irrita, mas eu me acovardo em certas ocasiões pra não "me trocar" com a pessoa... Conheço meus limites de gentileza rsrsrsr...

Muitas vezes usamos a desculpa do tempo também para justificar atitudes insanas ou soberbas como as dessas pessoas.

Não conheço outro lugar do mundo (ainda, pelo menos) mas sinto que há uma triste falta de humildade no brasileiro. E no cearense, tá faltando empinar menos o nariz e descer do salto. Nosso bom humor nordestino muitas vezes mascara nossa pura falta de cumplicidade com quem parece não falar "a mesma língua".

Talvez no restante do mundo isso seja diferente... Espero!

Ana Valeska Maia disse...

Sérgio,
Essa conversa deve ter te estressado muito!
Mas o tempo que extrapola agora nas manifestações é resultado de muitos acúmulos. Que bom que extravasou.