Será
que as palavras dizem tudo? Será que as palavras não destroem os símbolos que
existem além do alcance das palavras? Encontro essas indagações ao reler o
romance Flush, de Virginia Woolf.
Flush
era o cão da poetisa vitoriana Elisabeth Barrett. A inspiração de Virginia
Woolf para escrever uma história narrada a partir da perspectiva do cãozinho
brotou por intermédio da leitura das cartas de amor trocadas entre Elisabeth e
o futuro marido, o também poeta Robert Browning.
Virginia
sentia-se exausta após a conclusão do romance As ondas. A leitura das cartas aliviava seu cansaço mental. Ela
divertia-se com a ênfase dada à inteligência e às aventuras vividas por Flush. Esse
constante ressaltar dos atributos do cão fez caminho além e migrou para o
território da ficção.
Flush
fala de instintos, sonhos, medos, alegrias, traumas, dores, afetos, amores. Dos
cães e dos humanos. Trata da passagem do tempo, do nascimento à morte e como
experenciamos essa passagem implacável. Como mudam corpos, sensibilidades,
olhares, desejos e medos.
“Ela
era uma mulher; ele um cão. Assim, intimamente ligados; assim, imensamente
separados, um encarava o outro.” Além de Flush, esses dias lembrei da cadela Baleia
de Vidas Secas, da Diana da música do Toninho Horta, da história de Hachiko e
sua espera sem fim pelo dono na estação.
Lembrei
dos outros cães devido a um pequeno drama familiar, vivido por Kilt, cadela da raça pastor alemão que mora comigo
há onze anos. Kilt tem uma filha, chamada Dedé. Há algumas semanas a Dedé adoeceu
gravemente, foi internada e passou por uma delicada cirurgia. Desde então o
choro da mãe rasga a noite. Ela sofre de saudade, sofre por não saber onde está
sua companheira de toda a vida. Eu procuro consolá-la como tantas vezes ela me
consolou, pois os bichos possuem uma sensibilidade que muitas vezes serve de lição à insensibilidade
dos humanos.
Será
que as palavras dizem tudo? Creio que não. A felicidade da Kilt quando a Dedé
teve alta e voltou pra casa está além do alcance das palavras.
(crônica publicada no jornal O Povo, edição de 14/06/2013)
2 comentários:
Linda esta crônica Ana Valeska.Muito me comoveu porque chorei com a morte do Flush e também porque amo os cães, estes seres maravilhosos que enchem nossas vidas de ternura, companheirismo e cumplicidade, atributos raros nos seres humanos.
Vera
"Tem palavras que a gente simplesmente não pode encontrar / Ou, de algum modo, perderam seu significado / Nas páginas agora deixadas para trás / Palavras sem sentido continuam girando"
Esse é um verso livremente traduzido de uma canção que eu gosto muito. E acho que é bem isso mesmo. Tem coisas que ficam ditas no silêncio... ou no silêncio desesperado da solidão, ou no silêncio incansável da perda, do amor abandonado... Já senti pra caramba isso. E nas horas que não consigo me expressar, deixar isso fluir, procuro sentir meu próprio silêncio.
Sou redator, tento ser poeta (e você sabe rsrsrsr), amo palavras... mas tem horas que imagens ou símbolos opacos valem mais do que todas elas.
Beijo Ana! Saudade de conversar contigo!
=)
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