domingo, 16 de junho de 2013

Além do alcance das palavras

Será que as palavras dizem tudo? Será que as palavras não destroem os símbolos que existem além do alcance das palavras? Encontro essas indagações ao reler o romance Flush, de Virginia Woolf.
Flush era o cão da poetisa vitoriana Elisabeth Barrett. A inspiração de Virginia Woolf para escrever uma história narrada a partir da perspectiva do cãozinho brotou por intermédio da leitura das cartas de amor trocadas entre Elisabeth e o futuro marido, o também poeta Robert Browning.
Virginia sentia-se exausta após a conclusão do romance As ondas. A leitura das cartas aliviava seu cansaço mental. Ela divertia-se com a ênfase dada à inteligência e às aventuras vividas por Flush. Esse constante ressaltar dos atributos do cão fez caminho além e migrou para o território da ficção.
Flush fala de instintos, sonhos, medos, alegrias, traumas, dores, afetos, amores. Dos cães e dos humanos. Trata da passagem do tempo, do nascimento à morte e como experenciamos essa passagem implacável. Como mudam corpos, sensibilidades, olhares, desejos e medos.  
“Ela era uma mulher; ele um cão. Assim, intimamente ligados; assim, imensamente separados, um encarava o outro.” Além de Flush, esses dias lembrei da cadela Baleia de Vidas Secas, da Diana da música do Toninho Horta, da história de Hachiko e sua espera sem fim pelo dono na estação.
Lembrei dos outros cães devido a um pequeno drama familiar, vivido por Kilt,  cadela da raça pastor alemão que mora comigo há onze anos. Kilt tem uma filha, chamada Dedé. Há algumas semanas a Dedé adoeceu gravemente, foi internada e passou por uma delicada cirurgia. Desde então o choro da mãe rasga a noite. Ela sofre de saudade, sofre por não saber onde está sua companheira de toda a vida. Eu procuro consolá-la como tantas vezes ela me consolou, pois os bichos possuem uma sensibilidade que  muitas vezes serve de lição à insensibilidade dos humanos.
Será que as palavras dizem tudo? Creio que não. A felicidade da Kilt quando a Dedé teve alta e voltou pra casa está além do alcance das palavras.

(crônica publicada no jornal O Povo, edição de 14/06/2013)








2 comentários:

Gabriela Pimenta disse...

Linda esta crônica Ana Valeska.Muito me comoveu porque chorei com a morte do Flush e também porque amo os cães, estes seres maravilhosos que enchem nossas vidas de ternura, companheirismo e cumplicidade, atributos raros nos seres humanos.

Vera

Sérgio Costa disse...

"Tem palavras que a gente simplesmente não pode encontrar / Ou, de algum modo, perderam seu significado / Nas páginas agora deixadas para trás / Palavras sem sentido continuam girando"

Esse é um verso livremente traduzido de uma canção que eu gosto muito. E acho que é bem isso mesmo. Tem coisas que ficam ditas no silêncio... ou no silêncio desesperado da solidão, ou no silêncio incansável da perda, do amor abandonado... Já senti pra caramba isso. E nas horas que não consigo me expressar, deixar isso fluir, procuro sentir meu próprio silêncio.

Sou redator, tento ser poeta (e você sabe rsrsrsr), amo palavras... mas tem horas que imagens ou símbolos opacos valem mais do que todas elas.

Beijo Ana! Saudade de conversar contigo!
=)