Na noite em que seria exibido o
penúltimo capítulo da novela Avenida Brasil recebi pedidos insistentes
dos estudantes para concluir a aula mais cedo. Enquanto a novela
transcorria a cidade parecia dormir. Poucas pessoas nas ruas, os bares e
restaurantes mantinham o público hipnotizado diante da TV, os olhares
seduzidos, conquistados, entregues às cenas do folhetim.
Na
sexta, em plena efervescência da campanha política, os organizadores
consideraram prudente mudar os horários dos comícios, a presidente Dilma
alterou a agenda, tudo para não entrar em choque com a exibição do tão
esperado último capítulo da novela. Afinal, os espectadores acompanharam
o começo e o desenrolar da imbricada trama, recheada de sofrimento,
desejo de vingança, intrigas, traições, encontros, desencontros.
Aguardavam a conclusão temperada pela revelação do destino das
personagens.
O ajustar da agenda política ao império da
ficção aguçou uma reflexão sobre a construção do real. Inevitável não
pensar sobre o espetacular sistema político atual. Um bom cenário é a
campanha para prefeito. A trama começa. No palco principal, o império do
discurso masculino. Não escalaram mulheres para o elenco dessa vez, o
que muito lamentei. Mas sabemos que as mulheres estão escrevendo
capítulos bem interessantes pelos bastidores. Dois atores com pouca
expressividade nas artes da interpretação ganham espaço, decoram com
vigor suas falas, contam com um excelente aparato tecnológico e
generosos recursos financeiros e, além de tudo, possuem um forte elenco
de apoio, com atores experientes auxiliando no sucesso da audiência.
Toda essa parafernália sufoca outros atores, que, mesmo a contragosto,
deixam a trama principal.
Restam dois. Sobram discursos, promessas, pactos, alianças. Entrelaçamentos ideológicos antes inimagináveis
anunciam que é fundamental flexibilizar as convicções partidárias.
Afinal, o que importa é vencer, a apoteose de chegar ao poder, a
consagração do final feliz. Para muitos eleitores, infelizmente, é mais
fácil acreditar em novela.
(artigo publicado no jornal O Povo, edição de 22/10/2012)
2 comentários:
Esses relatos revelam o domínio exercido pela mídia em grande parte dos participantes da nossa sociedade. A maioria se revela espectadores fiéis e tem como modelo de realidade o que é passado de forma irresponsável e cruel. Essas ficções são vistas pelas pessoas como algo real e os fazem pensar, que aquilo que está posto, é de fato o que acontece, sendo a fiel reprodução do cotidiano. É através dessas narrativas que a maioria das pessoas que acompanham vão se educando para a vida, desenvolvendo rótulos que serão transmitidos a outras gerações.
Esse domínio midiático sobre as pessoas, sobre seus comportamentos e suas opiniões, refletem diretamente nas suas capacidades de contribuir politicamente, porque os políticos se utilizam das mesmas estratégias para encobrir o real interesse que há por trás de suas palavras românticas, de suas imagens agradáveis aos olhos de quem não tem memória e não conhece a realidade, ou pelo menos, parte dela.
Esses relatos revelam o domínio exercido pela mídia em grande parte dos participantes da nossa sociedade. A maioria se revela espectadores fiéis e tem como modelo de realidade o que é passado de forma irresponsável e cruel. Essas ficções são vistas pelas pessoas como algo real e os fazem pensar, que aquilo que está posto, é de fato o que acontece, sendo a fiel reprodução do cotidiano. É através dessas narrativas que a maioria das pessoas que acompanham vão se educando para a vida, desenvolvendo rótulos que serão transmitidos a outras gerações.
Esse domínio midiático sobre as pessoas, sobre seus comportamentos e suas opiniões, refletem diretamente nas suas capacidades de contribuir politicamente, porque os políticos se utilizam das mesmas estratégias para encobrir o real interesse que há por trás de suas palavras românticas, de suas imagens agradáveis aos olhos de quem não tem memória e que não conhece a realidade, ou pelo menos, parte dela.
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