De que adianta olhar para as pequenas coisas e existências? Olhar
para o que não nos fornece compensações materiais, segurança, ganhos
financeiros, lucros imediatos, visibilidade, reconhecimento? Nós, seres
do século XXI, tão sem tempo a perder com irrelevâncias? Nós que nos
preocupamos tanto em encontrar um lugar no mercado, apreciadores de
provas, títulos, cargos e importâncias catalogadas pela sociedade? Nós
que temos tanto medo e blindamos matéria e sentimentos?
De
que serve celebrar as virtudes do devaneio e da introspecção? De que
vale observar paisagens sem levar o celular ou a máquina fotográfica
para fazer registro, sem postar as fotos no Facebook? Sem exibir o
resultado? Qual o sentido de dedicar alguns minutos observando folhas e
ramos das árvores, o voo dos pássaros e das borboletas, o laranja
desbotado das folhas espalhadas pelo chão? Nós que somos as “pessoas
grandes”, tal como está no Pequeno Príncipe de Exupéry, desistindo aos
poucos da poética do viver, da poesia escondida em todo começo? Nós que
esquecemos que somos sempre crianças?
Com as pessoas grandes
não se fala de céu, estrelas, florestas virgens. Com as pessoas grandes
falamos de coisas práticas, de responsabilidades, de coisas de adultos.
“E a pessoa grande ficava encantada de conhecer um homem tão razoável”,
está no livro sobre o principezinho que enxergava além. O livro traz o
ensinamento que deveríamos recordar todos os dias: “O essencial é
invisível aos olhos”. “Mas os olhos são cegos. É preciso buscar com o
coração”.
O poeta Manoel de Barros sabe bem o que faz. Sabe
que a menor coisa merece nossa atenção. Sabe que o nada é essencial
porque proporciona o recordar de quem realmente somos. Podemos não
aceitar o mundo como está e criar um. Quem sabe aprender a desaprender?
Para “chegar ao criançamento das palavras”, para chegar a nada. De que
adianta escrever sobre isso? “Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia
acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades”, diz o poeta. Se o
nada é poesia, talvez o nada seja tudo. O profundo e o além, sol e lua.
(texto publicado no jornal O Povo edição de 30 de julho de 2012)
2 comentários:
Me pergunto onde fica a sensibilidade das pessoas hoje. Sério, tem horas que me sinto diferente, "esquisito" no meio das pessoas por TENTAR comentar coisas bonitas, sensíveis do cotidiano. Há quem pare hoje pra observar as pequenas belezas? Há quem saia num domingo a simplesmente passear de carro pela cidade contemplando um por do sol bonito e calmo, sem a pressa de ter que fazer um programa desesperado-porque-amanhã-já-é-segunda-feira e ir se trancar num shopping? Me pergunto pra onde caminhamos, por quê tanta racionalidade e pressa. Esquecemos de onde viemos: mera (e incrivelmente) pó de estrelas, fragmentos do universo. Essa força, essa poética da criação infelizmente está se perdendo para a lógica da auto-afirmação.
Ana querida, o 1º poema do manoel de barros que li me arrebatou a tal ponto que chegou a virar uma espécie de "prece". Ele que se detém sobre as "coisas pequenas" e, de repente, sua cabeça se abre por total. "Os vazios são maiores, e até, infinitos" :) Manoel de Barros desperta a minha criança e teu texto me emocionou! ;)
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Aprendo mais com abelhas do que com aeroplanos.
É um olhar para baixo que eu nasci tendo.
É um olhar para o ser menor, para o
insignificante que eu me criei tendo.
O ser que na sociedade é chutado como uma
barata - cresce de importância para o meu olho.
Ainda não entendi por que herdei esse olhar para baixo.
Sempre imagino que venha de ancestralidades machucadas.
Fui criado no mato e aprendi a gostar das
coisinhas do chão -
Antes que das coisas celestiais.
Pessoas pertencidas de abandono me comovem:
tanto quanto as soberbas coisas ínfimas.
Pote cru é meu pastor...
[Manoel de Barros]
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