segunda-feira, 12 de março de 2012

A preciosidade do tempo


De repente, o primeiro fio branco abre caminho. A pele perde elasticidade, não exibe o mesmo brilho e vigor. As linhas de expressão, fruto de um longo esculpir, ganham visibilidade constante e afirmam cada vez mais fundo, sua presença fiel. Metabolismo lento, tempo célere, mudança ininterrupta.
O prazer diário da leitura clama auxílio: as palavras não são mais tão nítidas, estão turvas, embaralhadas, precisamos de óculos.  Fica evidente como o tempo grava suas marcas. Se tudo muda, como trabalhar a mudança, como lidar com a ação do tempo em nós? Esse tempo que é imperioso em suas transformações.  Qual o sentido do envelhecimento na contemporaneidade?  
Escuto rádio e entre uma música e outra, comercias de clínicas de cirurgia plástica e de centros de estética. Vi em um prédio comercial totens eletrônicos estampando imagens do corpo de uma mulher, exibindo o antes e o depois, garantindo a eficácia do tratamento. Nas ruas alguém nos entrega um panfleto com essa temática. A cultura contemporânea exalta o consumo, o novo, as trocas, o espetáculo, as imagens, a vaidade.  Diante de tanto clamor, creio que devemos pensar no sentido disso.  
Nas entrelinhas da coisa, pulsa o desejo de parar a ação do tempo? Ter um tratamento eficaz para guardar a imagem de si que inevitavelmente mudará? Talvez o celebrar da juventude anuncie o temor do envelhecer e se isso for uma afirmação que tenha coerência é fundamental perguntar o que se ganha com a maturidade, o que o tempo pode nos ensinar a perceber, cultivar e valorizar.
Esse é o ensinamento mais precioso, o que colhemos com nossas experiências de vida, no sentido de perceber a preciosidade do tempo. Se o corpo envelhece a alma pode sempre ganhar vida nova. Tudo é transformação, não há nada fixo, tudo é passageiro, nós também somos. Um dia não estaremos mais aqui. Diante dessa consciência os padrões estéticos, as construções de vaidade e poder perdem o grau de importância que usufruem hoje. Teremos mais tempo para nós. Para o cultivo do compromisso com a verdade. E isso é tudo. 
(artigo publicado no jornal O Povo edição de 12-03-2012)

2 comentários:

Anônimo disse...

O tempo é inimigo do nosso corpo e amigo da nossa alma, como amigo vamos acolhe-lo,como inimigo vamos lutar, mesmo sabendo que um dia seremos vencidas.As clínicas de cirurgias plásticas são nossas aliadas temporárias,afinal o tempo éo senhor todo poderoso e segundo Einstain é também relativo.

Vera

Sérgio Costa disse...

Tempo... tão etéreo, tão mágico, tão doloroso. Pobre daquele que não tem imaginação pra se deliciar em suas memórias, reviver histórias interessantes de si mesmo!

O que fazer, Ana, minha querida, com esse tempo que nos arranca tudo e deixa marcas tão fortes e molda nosso devir humano? Deixá-lo passar? Recorrer à memória pra aliviar aquilo que não foi?

Beijo. E obrigado de novo pelo néctar das tuas palavras. =)