De
repente, o primeiro fio branco abre caminho. A pele perde elasticidade, não
exibe o mesmo brilho e vigor. As linhas de expressão, fruto de um longo
esculpir, ganham visibilidade constante e afirmam cada vez mais fundo, sua
presença fiel. Metabolismo lento, tempo célere, mudança ininterrupta.
O
prazer diário da leitura clama auxílio: as palavras não são mais tão nítidas, estão
turvas, embaralhadas, precisamos de óculos. Fica evidente como o tempo grava suas marcas.
Se tudo muda, como trabalhar a mudança, como lidar com a ação do tempo em nós? Esse
tempo que é imperioso em suas transformações. Qual o sentido do envelhecimento na
contemporaneidade?
Escuto rádio
e entre uma música e outra, comercias de clínicas de cirurgia plástica e de
centros de estética. Vi em um prédio comercial totens eletrônicos estampando imagens
do corpo de uma mulher, exibindo o antes e o depois, garantindo a eficácia do
tratamento. Nas ruas alguém nos entrega um panfleto com essa temática. A
cultura contemporânea exalta o consumo, o novo, as trocas, o espetáculo, as
imagens, a vaidade. Diante de tanto
clamor, creio que devemos pensar no sentido disso.
Nas
entrelinhas da coisa, pulsa o desejo de parar a ação do tempo? Ter um
tratamento eficaz para guardar a imagem de si que inevitavelmente mudará? Talvez
o celebrar da juventude anuncie o temor do envelhecer e se isso for uma
afirmação que tenha coerência é fundamental perguntar o que se ganha com a
maturidade, o que o tempo pode nos ensinar a perceber, cultivar e valorizar.
Esse é
o ensinamento mais precioso, o que colhemos com nossas experiências de vida, no
sentido de perceber a preciosidade do tempo. Se o corpo envelhece a alma pode
sempre ganhar vida nova. Tudo é transformação, não há nada fixo, tudo é
passageiro, nós também somos. Um dia não estaremos mais aqui. Diante dessa
consciência os padrões estéticos, as construções de vaidade e poder perdem o
grau de importância que usufruem hoje. Teremos mais tempo para nós. Para o
cultivo do compromisso com a verdade. E isso é tudo.
(artigo publicado no jornal O Povo edição de 12-03-2012)
2 comentários:
O tempo é inimigo do nosso corpo e amigo da nossa alma, como amigo vamos acolhe-lo,como inimigo vamos lutar, mesmo sabendo que um dia seremos vencidas.As clínicas de cirurgias plásticas são nossas aliadas temporárias,afinal o tempo éo senhor todo poderoso e segundo Einstain é também relativo.
Vera
Tempo... tão etéreo, tão mágico, tão doloroso. Pobre daquele que não tem imaginação pra se deliciar em suas memórias, reviver histórias interessantes de si mesmo!
O que fazer, Ana, minha querida, com esse tempo que nos arranca tudo e deixa marcas tão fortes e molda nosso devir humano? Deixá-lo passar? Recorrer à memória pra aliviar aquilo que não foi?
Beijo. E obrigado de novo pelo néctar das tuas palavras. =)
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