segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Mesmo que seja em um copo de mar

“O mar da história é agitado”, escreveu Vladimir Maiakovski. Há dias este trecho do poema vez ou outra retorna aos meus pensamentos, como as ondas do mar que avançam e recuam. Acompanham o recordar do poema as lembranças do dia 03 de janeiro. Observei as portas dos comércios fecharem, a cidade paulatinamente assumir um cenário de feriado decretado às pressas, impulsionado pela onda de boatos. Um clima de medo circulando, invadindo linhas e entrelinhas, fazendo morada por dentro da gente.
Este dia foi especialmente inquietante por estabelecer conexões de sentido com outras reflexões tecidas sobre medo e liberdade. Como se todo o desconforto acumulado pelo crescimento ostensivo da sociedade de controle tivesse jorrado. Como se fosse a gota a mais que faz a água transbordar do copo.
Transportando a ideia do movimento das ondas para as construções humanas, podemos reconhecer que nossa liberdade convive com o proliferar dos sistemas de vigilância. A rotina flui abraçada à necessidade de controle determinada pelo medo. Avançamos desenvolvendo tecnologia, recuamos sitiando nossos espaços de liberdade. Crescemos em consumo, agredimos o meio ambiente.  Garimpamos espaços de inclusão, criamos zonas de exclusão.
O fato é que estamos juntos neste mar. Em águas agitadas ou calmas, devemos aprender a navegar atentos às nossas histórias entrelaçadas. O medo não pode nos fazer parar, nem podemos permitir que nosso espaço de liberdade seja determinado pelo outro. No entanto, existe o movimento da onda.  Ser livre não é fácil. A liberdade pode ser um ideal muito apreciado, queremos que ela avance, mas um dado que não pode ser desprezado é que temos receio dela. Ser livre significa ser senhor de si, assumir a consequência de suas ações. Exige autonomia e capacidade de resistência. Clama um sujeito criativo. Neste momento, muitos recuam. Convém lembrar: “Há sempre um copo de mar para um homem navegar”, anunciou o poeta Jorge de Lima. Fundamental  navegar, abrir caminho, mesmo que seja em um copo de mar. 
(artigo publicado no jornal O Povo, edição de 16/01/2012)

Um comentário:

Anônimo disse...

ser livre não é fácil...

-suspiro

que texto lindo, forte e importante.
Obrigada pelas reflexões.