quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Sobre mortes e desejos escravizados


No cenário dos conflitos de terra, outro assassinato. Pará, sábado passado. Um líder de assentamento que denunciava grilagem de terras e exploração ilegal de madeira. Mais Unidades de Conservação devastadas pela desmedida ambição financeira. Caminhões carregados fartamente com toras imensas e mercado receptivo. O nome da pessoa assassinada é João Primo e o tiro foi bem no meio da testa. Em maio deste ano mataram o agricultor Adelino Ramos, líder do Projeto de Assentamento Florestal Curuquetê, localizado no município de Lábrea, Amazonas. Mataram também no Pará o casal José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo e tantos outros, além de Dorothy Stang e Chico Mendes. A lista de assassinados e ameaçados de morte é imensa. As mortes são execuções com características bem parecidas, por motivos bem parecidos. Quem realmente procurar saber do que está acontecendo encontrará uma floresta de horrores.
O que morre com essas pessoas? Durante a aula de ontem fizemos um debate sobre a ditadura do capital e a como vivemos em uma moral de desejos escravizados. Lembrei muito das conversas com Luís Alberto Warat, quando ele argumentava como é fundamental, em uma democracia, o desejo de confronto com o instituído. Se não existe o desejo, o pensamento inquieto, a contestação ao estabelecido, se tudo está encaixado demais, se as pessoas buscam a adequação ao modelão pré-fabricado de sucesso e felicidade, preparam-se para a vida preparando a entrada no mercado, se elas não tem tempo, se estão ocupadas demais sendo mais consumidores do que gente, vivemos em uma ditadura cruel, pois é enganosa, utiliza de artimanhas subreptícias na cooptação dos desejos humanos.  Devolver a liberdade ao desejo. Esse é um bom manifesto.  Protestar contra essas mortes, evidenciar os absurdos, explicitar nossos pensamentos é o mínimo que podemos fazer.

2 comentários:

Daniel Simões disse...

Substituamos competição por entre-ajuda e acumulação por partilha e já teremos, desde a infância, uma sociedade com outro tipo de atitude. Os moldes que nos apresentam desde que somos crianças são os do inquestionamento... e quem ousa questionar os parâmetros instituídos e ousa viver segundo valores mais naturais, é visto com suspeita, arrogância e até opressão. Mudar os princípios educacionais é uma primícia para o sucesso social, pessoal e ambiental.

Anônimo disse...

Belo e indignado texto, Ana.
Não nos esqueçamos de Zé Maria do Tomé, camponês e ambientalista assassinada pela sua luta contra os agrotóxicos; crime que, mais de um ano depois, continue impune. Todas essas mortes nos questionam, nos desacomodam, nos impelem a não deixar suas bandeiras tombadas.
"Quem cala sobre teu corpo / consente na tua morte" (Milton).
Bjs saudosos,
Jô.