sexta-feira, 1 de abril de 2011

Um pouco das minhas conversas com os estudantes de direito

Um coração aberto é um órgão exposto e por isso, belo. Imagine um coração não-protegido pelo invólucro-corpo. Belo e ferido pela metodologia das relações sociais. Rispidez e acusações antes de conversas, convicções rígidas aprisionando a percepção de mundo, a ditadura do meu, do eu, do ego, do outro como inimigo. E eu sinto, como o Exupéry, que tudo isso é superficial, já que o essencial é invisível aos olhos. Portanto, sinto muito, pelo fato das criaturas humanas perderem a preciosidade do tempo com as cascas das coisas. Imagens, aparências que enganam e, no entanto, continuamos acreditando nas aparências e nos afastamos de nós. Tão bom seria proclamar outros direitos, que realmente religassem os saberes, as vidas, as trajetórias. Os ecos abafados da contemporaneidade gritam por isso. As criaturas não querem mais violência, elas querem amor e paz. Qual é a palavra de ordem que escutamos? Qual é a música que nos embala? Quais são os temas que escolhemos? Vocês percebem como existe uma continuidade de serviço a uma ordem de mundo que afasta a nossa liga invisível? “liga invisível”, parece coisa de desenho animado, de super amigos, lembro que eles tinham uma “liga da justiça”. E nós? Qual é a nossa liga? Quais são os ideais que nos mobilizam, ou isto está totalmente fora de moda? Vejo estudantes sedentos para servirem ao mercado e lucrarem com isso. Vejo manuais pré-fabricados do que é o profissional do direito. Constitucional, penal, civil, empresarial, tributário e uma variedade de reformas. Qual a grande reforma? Começo proclamando o direito de ser leve. Diante da miríade de opiniões embasadas na força normativa da Constituição, no jorro de críticas que engendram a fala dos doutos juristas, da ditadura das horas, relatórios, papéis, afazeres e vaidades do poder, decreto que temos direito à leveza. O mundo não é somente uma selva de pedra. O olhar da Medusa é inescapável, como indagou Ítalo Calvino? Sabemos que Perseu venceu o monstro que transformava tudo em pedra. Com Calvino, fecho essa reflexão inicial, abrindo para um diálogo dos saberes que proporcionem caminhos para vermos o mesmo, as pessoas, o mundo e o direito de uma outra forma: “Cada vez que o reino do humano me parece condenado ao peso, digo a mim mesmo que à maneira de Perseu eu deveria voar para outro espaço. Não se trata absolutamente de fuga para o sonho ou o irracional. Quero dizer que preciso mudar de ponto de observação, que preciso considerar o mundo sob outra ótica, outra lógica, outros meios de conhecimento e controle. As imagens da leveza que busco não devem, em contato com a realidade presente e futura, dissolver-se como sonhos...” (Calvino, Ítalo. Seis propostas para o próximo milênio, 1990, p.19).

2 comentários:

Raul Nepomuceno disse...

Quanto a mim, posso apenas dizer que olhei tempo demais nos olhos do mundo, da medusa, e agora acho que é tarde.

Eu mesmo já dei alguma contribuição para este peso que incide sobre os homens, já cometi alguns erros bem significativos para mim e para outros, já causei danos. Em minha defesa, digo apenas que foi por ignorância, por não visualizar com clareza o mal que estava causando.

Não digo que meu coração tornou-se pedra, ainda não, mas meus olhos, minha mente e minhas palavras talvez sim.

Um abraço, Valeska.

Raul.

Ana Valeska Maia disse...

Será que é tarde?
Todo cometemos erros. Todos. Não somos perfeitos, somos humanos.
Bj Raul.