sexta-feira, 12 de março de 2010

A violência e a firmeza na verdade


Mahatma (grande alma) Gandhi, em sua autobiografia, intitulada An Autobriography – The Story of My Experiments with Truth, narra o acontecimento de um episódio que o marcou profundamente: na África do Sul, em 1893. Gandhi, jovem advogado indiano, formado pela Universidade de Londres, viaja para a cidade de Pretória, com o propósito de defender os interesses de um cliente em causa judicial. Portando um bilhete de primeira classe, ele acomoda-se em seu lugar para, em breve, ser arrancado violentamente de lá e despejado do trem. No dia seguinte, após pleitear seus direitos, ele volta à estação. Segue viagem e novamente é violentamente abordado pelo funcionário do trem, que afirma que sua passagem não é válida para coloured people. Temendo perder a audiência, Gandhi acomoda-se na boléia, até o momento em que, o mesmo funcionário, desejando fumar, ordena que ele saia da boléia e fique no estribo. Gandhi desobedeceu as ordens e permaneceu em seu lugar. Foi brutalmente espancado pelo funcionário da empresa de transportes.

Esse acontecimento fez florescer em Gandhi o sentimento da doutrina da satyagraha, a “firmeza na verdade”. Não revidar às ofensas com ofensas, nem à violência com mais violência. Lembrei-me desse episódio por novamente ver aquecidos os debates sobre o combate à violência e a redução da maioridade penal após a morte da empresária Marcela Montenegro em Fortaleza-CE. A impressa divulga as opiniões de autoridades, de políticos e de representantes da sociedade civil e mais uma vez é freqüente a defesa de um combate à violência com mais cárcere e mais violência. Argumenta-se também, em conversas não tão públicas, sobre a necessidade da existência de grupos de extermínio e absurdo do tipo.

Edgar Morin alerta para o perigo do argumento de fazer violência para acabar com a violência. Agindo assim perpetuamos um ciclo ininterruptamente. Pergunto: o que é um ser humano? Se analisarmos todo o contexto de uma situação violenta, podemos, realmente, acreditar que o aumento do cárcere ou a redução da maioridade penal é a melhor solução? Somos, como afirma o ministro do STF Carlos Ayres Britto, um microcosmo. Julgar um ser humano tomando como medida o julgamento do mesmo a partir de seu ato mais negativo é esquecer de todo o contexto histórico e social da situação.

O reconhecimento da dignidade da pessoa humana, fruto de um longo percurso, está fundamentado em nosso Estado Democrático de Direito, (art. 1º, III, da CF). Além disso, temos como objetivos construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e, por fim, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (art. 3º, CF). O bem se promove com o bem. O respeito integral à vida é o coração da dignidade da pessoa. Também pulsa nesse coração, como uma sede antropológica que todos temos, a busca do amor. Mesmo com toda a fúria e violência que são manifestadas, esse desejo de amar e a prática de atos amorosos transcende os tempos e é com essa força positiva que acredito que a paz possa reinar em nossos corações e ser real e ser possível.

6 comentários:

Anônimo disse...

Bela, corajosa e oportuna reflexão, (jo)Ana.
Nesse momento em que se demanda mais repressão e violência, é hora de trazer, para perto de nós, o Mahatma, Luther King e Francisco de Assis.
Só assim poderemos resgatar nossa humanidade ameaçada.
Bj. grande e - sempre - esperançoso,
Jô.

Ana Lais disse...

A violência e a criminalidade envolvendo crianças e adolescentes vêm se tornando uma constante, os jovens estão ingressando cada vez mais cedo no mundo da criminalidade e estes não são mais pequenos delitos. A imprensa vem noticiando freqüentemente a participação de menores em crimes bárbaros, tráficos de drogas e outros. Diante dessa onda de violência juvenil no país, surge na sociedade uma sensação de que nada acontece quando um jovem é o autor de uma infração penal, fazendo-se acreditar ser necessário reduzir a idade penal para responsabiliza- lo.
Ana Lais Pinto Martins

Franzé Oliveira disse...

A busca da verdade. Que verdade?
Realmente o contexto é necessário para se definir certas atitudes. As vejo que ação em contextos diferentes, são diferentes. Como julgá-las? O próprio termo "julgar" é subjetivo. julgar em que ótica? É necessário prudência em momentos como esse. Não deixar o furor momentâneo ditar as regras. Existe por trás disso a natureza humana, que muitos tentam encobri-la, o instinto da espécie. Ações boas podem controlar a força interna, mas não me garante que ações violentas possam ser suprimidas para sempre. O que temos é que respeitar a vida. Preservar a vida.


Belo texto menina.
Beijos.

Steven Douglas disse...

Ana.. por mais que pareça utópico para algumas pessoas.. ou que soe como algo religioso, eu sou uma das pessoas que acredita no amor como ''ferramenta'' de ajuda pra mudar o mundo.É uma pena que a grande maioria das pessoas só conheçam o amor familiar e o romantico. Outras vão além e conseguem levar o amor pro campo da amizade.. (o que eu vejo como um grande passo).. e o resto?? e as outras pessoas? o que sentimos por elas? são coisas?? são.. invisíveis..? é como pegar um ônibus lotado pela manhã, não há espaço pra se mexer, mas ao mesmo tempo, paradoxalmente, ta todo mundo sozinho alí dentro. Eu acho que toda essa individualidade, essa frieza nos sentimentos.. essa preocupação concentrada no ''eu'', ''meu''.. (bem típico do sistema captalista de consumo) colabora pras coisas estarem como estão.. a violência, a corrupção, a sujeira nas ruas.. Uma sociedade individualista.. é uma sociedade dividida.. que jamais pode lutar junta por um ideal. O individualismo acaba com qualquer revolução.. até mesmo o amor numa sociedade assim está em ''panelinhas''. Precisamos encontrar a chave que abra a jaula que está preso esse feeling.. e deixar que ele se espelhe e deixe as pessoas mais sintonizadas umas com as outras.. independende de idade, sexo, cor, grupo social, local de nascimento, opção sexual.. etc..

Bom.. queria deixar pra você Ana e os leitores do seu blog, o link de um video que gosto muito.É uma entrevista com o médico Patch Adams feita no programa roda viva da tv cultura. Esse link que to mandando é a parte 1.. no total acho que são 8 partes.. as outras partes estão nos ''videos relacionados'' na tela do youtube.

http://www.youtube.com/watch?v=8Q7aqa-G0l8

E pra finalizar meu comentário.. quero dizer que adorei o livro! Pulsão Irrefreável foi uma viagem incrível na arte e no feminino,.. que tantas vezes ficou de escanteio, mas que sempre existiu!.. mesmo com a inquisição e com o patriarcalismo. A pulsão irrefreável é o combustível da arte.

bom final de semana!

Eduardo Matzembacher Frizzo disse...

Realmente, os argumentos que nascem em momentos como esse, de grande comoção popular, costumam ser nefastos. Impulsionados por uma mídia que gera o medo e se utiliza do medo para vender apetrechos que apenas apaziguam esse medo, como bem diz Ulrich Beck, ficamos aprisionados no "risco" e jamais conseguimos transcedê-lo. A natureza ambivalente do "risco", tida em tragédias e oportunidades, resta obnubilada por visões como essa, gerando apenas a perpetuação de uma mentalidade pueril centrada no consumo pelo consumo e na total objeticação do ser humano, desconsiderando todo e qualquer senso que o veja, como você bem disse, como um "microcosmo". Por essas e outras, que o renascimento ou quem sabe a reinvenção de utopias se faz necessária em tempos atuais. Do contrário, cruzaremos os braços diante das barbáries mil que acontecem no mundo e deixaremos que tudo deixe estar, desde que nosso jardim esteja bem conservado. Concordo com você, Ana. Um beijo, Eduardo.

Ana Valeska Maia disse...

Steven,
Já vi a entrevista do Patch Adams. Adorei.
Muito grata a todos vocês.
Bjs.