sexta-feira, 2 de outubro de 2009

A onda


Sofria de angústia imensa e profunda. Espalhada pela vastidão do mar dela mesma. Com a dor mergulhava nas profundezas de seu próprio oceano. A água batia em seus pés. A saudade sem nome inundava o coração.
Precisava cumprir as tarefas. Esposa, mãe de três meninos, de 7, 5 e 4 anos. O universo masculino invadiu sua história em camadas. Um atrás do outro, sem parar, tomando conta dela, com correntes e ataduras. Como ser grande se sentindo cheia de tudo e tão vazia? Foi seguindo o rumo da vida, abandonou os estudos quando engravidou aos dezessete anos. Criança assumindo obrigações de adulta. Navalha na carne. Levar as crianças para a escola, arrumar a casa, fazer almoço, todos os dias, todos os dias a mesma coisa da vida. A vizinha sempre chegava e conversava bobagens, tolices a respeito da vida dos famosos ou as emoções da novela das oito e ela fingia ouvir enquanto assava os bifes acebolados e cozinhava o feijão mulatinho. De vez em quando esboçava um sorriso, pra disfarçar, pra mostrar que gostava da conversa.
A água batia em seus pés. Como a vizinha não percebia? Como o marido não percebia? Nem os meninos percebiam. Os brinquedos de plástico boiavam soltos, os generais de guerra, os aviões, helicópteros e samurais simplesmente boiavam pela sala e os meninos continuavam atados brincando pelo chão. A praia invadia mais e mais a rotina do lar. Montes de areia depositados. Milhões de grãos espalhados. Muito calor. Mar com ondas calmas, um tênue movimento, arrebentava aos pouquinhos, a água batia em seus pés como quem lambe um picolé. Ela arrepiava, cedia às carícias do mar que invadia a cozinha e levava as panelas embora, os pratos, os copos, a garrafa térmica com o café, os jogos americanos. Ela desejava ir com o mar, pulsava ansiando que ele cobrisse seu corpo, que ele fosse agora mar de ondas intensas que arrastassem o gesso que encapsulava seu movimento. Enchia os pulmões de ar e mergulhava, o mar tinha mãos grandes e quentes, dissolvia o gesso, o mar tocava, lambia, cheirava, o mar libertava. Ele entendia seus quereres, preenchia o vazio, sugava seu suor, penetrava em seus esconderijos, fazia uma revolução molecular, poros adentro, revelando quem ela era, o seu eu oculto que o marido nunca encontrou, a fêmea selvagem, a fera ferida, jovem e marcada vivendo uma saudade sem nome que vinha como mar e tudo preenchia. Como onda gigante que avisa “é melhor se entregar e mergulhar do que fugir de mim”.

Um comentário:

Ricardo Soares disse...

quantas ondas nos levam... quantas ondas nos jogam na praia ? e por falar em ondas vi com simpatia a sua simpatia pela senadora Marina Silva a única candidata que se apresenta que justifica que a gente continue votando pra presidente. Os outros me dão uma vontade louca de anular o voto...bj e bom fim de semana