terça-feira, 23 de junho de 2009

Tina e a saudade

Tina Modotti

“Hoje, não posso dar-me ao luxo nem das minhas dores – sei muito bem que não é tempo de lágrimas; espera-se o máximo de nós e não podemos fraquejar – nem parar no meio do caminho – descansar é impossível.
Tina Modotti.


Chegava de mansinho, a tal da saudade. Em momentos de burburinho ou de silêncio ela montava barraca sem aviso prévio. Sem perceber lá estava eu, olhos aparentemente perdidos no tempo, mas marejados buscando morada nos arabescos da memória, mergulhando em cada fímbria no escuro do estúdio, por entre os banhos de químicos, reveladores de mim.
Escolhia a lente e seguia determinada. Objetiva. Foco longo, grande angular? Qual o plano? Depende do meu alcance...
Acordava ainda de madrugada para fotografar, não podia perder a mágica da luz, entretanto perdia qualquer senso de perigo, entrava em lugares pouco recomendáveis, mas existia um chamado e eu seguia a força. Numa dessas entrei numa fria e me roubaram a máquina. Lembro ainda o que estava escrito na porta do lugar que eu fotografava, "cuidado com o cão" e tinha um estrela de madeira azul logo acima das palavras. Não lembro mais de nada depois disso, não sei se foi o trauma da violência, mas o fato é que nunca mais aconteceu a mágica da busca pela imagem. Mas fato também é que atualmente a saudade me consome. Fico lembrando de coisas antigas, como as descobertas de Niepce ou a invenção do daguerreótipo. Ah, também lembro das molduras, de tudo o que escapava, transbordava das molduras. Barthes sempre soprava em meus ouvidos: “seja o que for que ela dê a ver e qualquer que seja a maneira, uma foto é sempre invisível: não é ela que vemos”. Então o que vemos? No meu caso frequentemente vejo você, Tina. Você está lá, invisível e presente. Eu entendo quando você fala que colocou arte demais na vida. Difícil encontrar um lugar próprio para a arte quando a vida grita tão forte ao ponto de confundir todas as fronteiras criadas. Chega o momento em que não se tem espaço para o descanso e que jogar a arte fora parece ser a melhor saída para o problema. Você jogou. Ainda sinto a dor da máquina jogada no rio Moskva. Eu vivi isso.
Porém a vida não para, Tina.
Nem eu.
Eu vou com a arte.
Viver.
Misturando tudo.

2 comentários:

Aline Lima disse...

Ai Ana. Belíssimo texto. Tu vai com arte ou é a arte que vai contigo? Pois. Faz tempo que houve essa mistura linda assim né?

Eu te abraço minha amora!
=)

Ana Valeska Maia disse...

Vamos juntas Aline!
Misturadas.
Um beijo minha flor.