sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Vento é poesia


Joana soprou tanto o instrumento que ficou tonta. O professor de flauta tinha avisado.
- No começo dá tonteira, depois você se acostuma.
Caiu exausta no sofá. Pernas pra cima, a tontura a fez lembrar de uma terapia que a mãe a tinha levado no passado, um tipo de estado alterado da consciência que se alcança através da respiração profunda realizada rápida e repetitivamente. Respirou tanto, mais de meia hora colocando e tirando ar do peito que se viu de repente flutuando com milhares de golfinhos no céu. Aqueles seres fantásticos riam para ela como se cumprimentassem um membro do clube. Que viagem! Nadando no ar com golfinhos. E conseguiu esse feito apenas respirando. Tanta coisa nessa vida que a gente não sabe... Se voou com golfinhos é lógico que acreditou na história do golfinho que foi parar na piscina do hotel por conta de uma onda gigante, apesar do olhar incrédulo do próprio narrador.
- Não tá acreditando na minha história, né? Ninguém acredita.
- Eu acredito, eu juro que acredito.
Joana gosta do mundo surrealista.

Lembrou quando era criança e aprendeu o que era o vento. As palavras firmes do professor cartesiano abalaram todas as estruturas de Joana.
- O vento é o ar em movimento!
- Nossa, vento é poesia. É um ser em movimento.
Desde então Joana passou a ter uma relação de amor e respeito com o vento.
Pegou novamente a flauta e soprou. Sentiu um calafrio. Sopro que é a igual a vento que sai de dentro da gente e que agora o vento é poesia porque é movimento que se transforma em música porque é vento que vem de dentro.
Após recordar seu caso de amor, já antigo, com o vento, Joana chorou, pois sentiu que algo maior dava sentido ao vento de fora e ao vento de dentro. Com o coração acelerado corre para o quintal de casa para saudar o vento da madrugada. Pensa em misturas, mesclas, simbioses, encontros. Solta um beijo soprado para o vento e se sente um ser interligado com o mundo, que nada separa, pois apenas a tolice humana acredita nisso, tudo nessa vida é vento de fora que se encontra com vento de dentro, que também une gente com outra gente.
Deitou no gramado, contemplou as estrelas e sentiu a alegria de saber que o sorriso de cumplicidade dos golfinhos queria dizer que em seu mundo tudo era possível, nadar no ar com o improvável e te amar como nunca ninguém te amou.
imagem: capa do disco "imensidão azul", de Luc Besson, música de Eric Serra.

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