segunda-feira, 27 de maio de 2013

Conjunção

Imagino que quem gosta de ler e escrever não abre mão de um dicionário de estimação. Afinal, vez ou outra salta do texto uma palavra enigma, do tipo que embaralha a compreensão do leitor. Podemos arriscar, driblando a pergunta da esfinge, adivinhando o significado da palavra pelo contexto. Porém, se o desejo de saber falar alto e clamar convicção, o melhor caminho leva ao socorro de um bom dicionário.

Possuo um especial, antigo, herança de minha mãe. Fica acomodado na última prateleira da estante, como um sábio paciente à espera das perguntas dos discípulos. A capa frágil protegida pelo plástico velho, as primeiras páginas remendadas com durex, a cor do tempo desbotando as poucas letras da infância desenhando um nome, os rabiscos misturados às impressões das tintas de fábrica, detalhes e mais detalhes puxando reminiscências, furtando a atenção, competindo com o objetivo da consulta.

Cada encontro com a palavra e seus sentidos é uma aventura. Durante a pesquisa, tenho o hábito de espiar a vizinhança, observo se existe diálogo com a palavra ao lado, quem sabe no entorno? Na mesma página do dicionário convivem a concisão e a prolixidade, a sobriedade e o floreio, o concreto e o abstrato. No dicionário on line não é a mesma coisa, falta a poesia do inesperado. Você digita, os significados aparecem, sem diálogos com outras palavras vizinhas. Palavras precisam de convivência. Palavra não gosta de solidão.

A vida atual nas grandes cidades lembra as palavras de um dicionário. Pessoas e mais pessoas num constante acotovelar-se com outras, solitárias na multidão, confinadas em espaços mínimos, unidas e separadas por muros, grades, cercas, blindagens e tecnologias. Se a vida na metrópole assusta, angustia, e tantas vezes força o isolamento, é nessa mesma vida que aprendemos o caminho dos gostos, venturas, encantos e transformações da existência humana. Seja pessoa, seja palavra, sempre precisamos do outro para nos ajudar a existir.

Ana Valeska Maia Magalhães

(crônica publicada no jornal O Povo, edição de 24/05/2013)

Nenhum comentário: