Imagino que quem gosta de ler e
escrever não abre mão de um dicionário de estimação. Afinal, vez ou outra salta
do texto uma palavra enigma, do tipo que embaralha a compreensão do leitor.
Podemos arriscar, driblando a pergunta da esfinge, adivinhando o significado da
palavra pelo contexto. Porém, se o desejo de saber falar alto e clamar
convicção, o melhor caminho leva ao socorro de um bom dicionário.
Possuo um especial, antigo,
herança de minha mãe. Fica acomodado na última prateleira da estante, como um
sábio paciente à espera das perguntas dos discípulos. A capa frágil protegida
pelo plástico velho, as primeiras páginas remendadas com durex, a cor do tempo
desbotando as poucas letras da infância desenhando um nome, os rabiscos
misturados às impressões das tintas de fábrica, detalhes e mais detalhes
puxando reminiscências, furtando a atenção, competindo com o objetivo da
consulta.
Cada encontro com a palavra e seus
sentidos é uma aventura. Durante a pesquisa, tenho o hábito de espiar a
vizinhança, observo se existe diálogo com a palavra ao lado, quem sabe no
entorno? Na mesma página do dicionário convivem a concisão e a prolixidade, a
sobriedade e o floreio, o concreto e o abstrato. No dicionário on line não é a
mesma coisa, falta a poesia do inesperado. Você digita, os significados
aparecem, sem diálogos com outras palavras vizinhas. Palavras precisam de
convivência. Palavra não gosta de solidão.
A vida atual nas grandes cidades
lembra as palavras de um dicionário. Pessoas e mais pessoas num constante
acotovelar-se com outras, solitárias na multidão, confinadas em espaços
mínimos, unidas e separadas por muros, grades, cercas, blindagens e
tecnologias. Se a vida na metrópole assusta, angustia, e tantas vezes força o
isolamento, é nessa mesma vida que aprendemos o caminho dos gostos, venturas,
encantos e transformações da existência humana. Seja pessoa, seja palavra,
sempre precisamos do outro para nos ajudar a existir.
Ana Valeska Maia Magalhães
(crônica publicada no jornal O Povo, edição de 24/05/2013)
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