I
Ontem tivemos aula sobre
religião. Re-ligar. Passeios ancestrais, xamanismo, animismo, mergulhos
politeístas desaguando no monoteísmo de castas sacerdotais. Preconceitos
cultivados com nome de Sol e Lua, masculino e feminino, bom e mau, certo e
errado, sagrado e profano. Tão fácil nomear, difícil é se aceitar o humano como
se é, mescla de tudo. Criada a trama moral, padrões tributam o sentir e a
humanidade cultua tribunais, inventando seus culpados julgados no calor das linguagens de inquisidor.
II
Quando vejo a natureza e procuro
conceitos já matei a natureza em mim. Ah, isso é muito Fernando Pessoa, ele me
socorre e me desarmo de tantas certezas. Construir é desconstruir. Olho para as
estrelas e desfaço seus nomes, desalinho, destramo, fica só a força, a luz,
desfaço, desfaço, despida, até ser sou só eu, em essência e origem, também
estrela.
III
Habito o tempo entre costuras. Em
algumas me compreendo senhora do destino, tramo e teço o pano, fio por fio,
despejo rendilhados de menina carente: “veja o que eu fiz”. Em outras aceito os
fatos dados e ainda teimo em ser na vida tecelã, uno as partes, com perícia de
linha e agulha, perfurando e preenchendo. Em outras visto a rebeldia e faço
rasgos no tecido que me impõem, na fazenda que me pesa, no bordado que não é
meu. Já vivi como trapo e aprendi a me construir nos remendos de meus cacos.
IV
Noite quente de novembro, mulher
é bicho ancestral. Química da vida, enluarada que nem loba. Leio em voz alta, diante de um olhar muito
atento, nua e ainda exalando aromas do afeto, com uma flor de jasmim no cabelo,
um poema de Baudelarie.
Um comentário:
O que comentar senão "perfeito"?
É o velho desejo de nos despirmos por completo, até mesmo os trapos que mal cobrem a verdadeira essência.
Tantas coisas, tantos padrões, eu's, adjetivos, vestes morais e amorais, leis, perfis (reais e virtuais), escudos, armaduras e ardis... Ainda bem que nos resta a solidão para, ao menos por um instante (ou numa noite quente de novembro), sermos. Simplesmente, sermos.
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