segunda-feira, 29 de agosto de 2011

O insubstituível paraíso de Borges


O incômodo surgiu imediatamente e o desejo de contestação falou alto, autoritário como um imperador temido. Resisti, evitei julgamentos precipitados. Melhor abrir o portal das lembranças, investigar o sentido mais profundo que sempre se esconde no que é explicitado nas tramas do real. Foi então que refloresceram palavras vividas, habitadas, degustadas. Palavras trançando fios na memória e puxando outras palavras, frases, textos, livros inteiros.

O frescor alvissareiro do livro novo, o cheiro amarelado e sábio do livro velho. Ficção entrelaçando realidade, fazendo jorrar ficção. Geralmente começa com um outro. Alguém lê para você. Mãe, pai, algum familiar. O livro aberto, a voz melíflua e o fluir das palavras instigando o desejo de saber, o olhar vivo da criança a perguntar como termina a história? Depois, quando se tem algum domínio das palavras é o aprendizado cúmplice do prazer de uma solidão acompanhada. Com o livro nunca estamos sós. É a felicidade clandestina de Clarice. É o paraíso no sonho de Borges: a eternidade desfrutada em uma biblioteca.

“Tablet substitui livros”? Confesso que as primeiras impressões surgiram catastróficas, com visões de “livroscídios” – como em “Fahrenheit 451”, de Ray Bradbury, ou nas páginas abertas dos livros, lançados ao rio, agitando-se como se fossem braços pedindo socorro, na narrativa de Mia Couto em “Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra”.

Depois acalmei o exame. Não se trata de destruir livros, nem mesmo substituí-los. A publicação de livros continuará com alternativas de suporte. “Os usos e costumes coexistem e nada nos apetece mais do que alargar o leque dos possíveis”, anuncia Jean-Philippe de Tonac no prefácio da obra “Não contem com o fim do livro”. Particularmente, existem leituras que faço e farei utilizando os recursos ofertados pela tecnologia de meu tempo. Alimento, no entanto, uma convicção. Sempre os livros impressos serão meus cúmplices. Integrantes de minha jornada, construtores de minha autobiografia. Meu paraíso de leitora é como o de Borges.

(texto publicado no jornal O Povo, edição de 29/08/2011)

4 comentários:

B., Antonione disse...

Engraçado que há poucos dias estava relendo Borges. E toda vez que penso nele, vem-me a imagem de um labirinto, construído com estantes e mais estantes de livros.

Quanto aos livros virtuais, eu confesso que já desfrutei deles, e acho um meio interessantíssimo de maximizar a acessibilidade da leitura.

Mas sou outro descrente das previsões catastróficas e a meu ver exageradas sobre o desaparecimento do livro, porque o livro não é só conteúdo, o livro é um símbolo, é insubstituível. Um computador, ipad, ipod e afins, não possuem o cheiro, a textura, e nunca poderão ter o valor de um livro velho passado de mão em mão, com as páginas amareladas de uma longa existência.

E, hoje, temos meios de produzir livros extremamente econômicos. Esses dias, por exemplo, comprei na saraiva um clássico de Scott Fitzgerald por 5 reais, “tender is the night”. É uma edição econômica, com papel reciclado, sem grandes adornos, mas é a obra original, que vale ressaltar seja um clássico da literatura... e o detalhe que mais me chamou atenção é que é produzido fora do país. Por que nós não podemos produzir aqui livros mais em conta?

Anônimo disse...

olá Ana Valeska, quando li a reportagem do jornal o povo do dia 29.08 (segunda feira), "o insubstituível paraiso de Borges", vim logo acessar seu blog e quando li o comentário de B. Antonione, achei interessante. Aconteceu comigo também, passei em um banca de revista e vi lá "promoção", 6,00 reais um livro de Apologia de Socrates e Banquete(platão), isto mesmo por seis reais, ai fico indagando como é que é possivel um dia desaparecer o livro, onde voce vai encontrar em uma banca de revista algum objeto eletrônico que seja custo barato que substitua o livro . Ai eu digo, "O livro nasceu não para ficar, mas para ensinar" , portanto, jamais ele será reconhecido no mundo virtual.
Edilberto Nobre

Ana Valeska Maia disse...

Fábio, que bom receber tua visita!!!!!!!!!! Você sempre encantando.
Edilberto, bj grande pra você.

Mário Cezar Silveira disse...

Em nossa cidade temos uma escola que pregou em outdoors pela cidade: Tablets substituem livros. Fico preocupado com este tipo de pregação, ainda mais quando parte de uma instituição de ensino, e pego-me pensando o que esta escola pode está ensinando à nossas crianças. Não podemos criar uma geração de pessoas que vivem fora da verdade, que deixem de buscar e aperfeiçoar a verdade.

O livro jamais perderá sua essência, podemos modificar o tipo de meio pelo qual ele é difundido, mas, jamais deixará de ser livro. Ainda assim, tendo o livro suas mais diversas formas, tenho preferência pelo papel, temos alguns funcionando por milhares de ano e ainda não acabou a bateria.