Miscelâneas

Quando finalmente as férias chegam, sinto-me mais feliz, pois terei tempo sobrando para deleitar-me com a leitura, sem a opressão do relógio gritando pare, corra, cumpra! Gosto de ler com tempo farto e em miscelâneas, em jorros de temas e autores, num ritual que aos poucos fui criando para mim. Hoje transitei pelo Direito Constitucional de Luis Roberto Barroso e José Afonso da Silva, depois visitei a narrativa de Flávio Moreira da Costa, Truman Capote e Horacio Quiroga, costurando o passeio pelos livros com a leitura da revista Bravo do mês. Horas e horas se passaram e eu nem percebi. Uma pequenina fonte que ganhei em 2008 de meus alunos incrementa o aconchego do escritório, de vez em quando um incenso perfuma o ambiente. As palavras podem habitar o lugar também pela escuta, já há tempos aderi ao audiolivro e venho namorando os “Contos de Agora”* há meses. Adoro o conto Cidade-mundo, de João Carrascoza. Coloco para você o trecho inicial do conto. Fala das descobertas de uma criança. Sinto que a literatura convida o leitor a ser criança outra vez. Concorda comigo?

“Então era a vez, a primeira, que o menino iria à cidade de que diziam ser, só ela, o mundo inteiro. O mundo em toda a sua diversidade, e, se lá de cima, das altas voragens, a gente o contemplasse, haveria de parecer uns caminhos desenhados, como as asas de uma borboleta multicolorida. A cidade e seus destinos a se enredarem, tal qual os veios de uma folha viva. Nela moravam os tios com uma filha; o menino e a mãe iam visitá-los, e ele, quieto, antes de partir, dava uns contornos imaginários ao rosto da prima, nenhum retrato tinha dela, nem seu nome sabia — e era o de menos; demais só a ânsia de conhecer a cidade-mundo. (“Cidade-mundo”, de João Carrascoza, in “Contos de Agora”, Livro Falante)

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* "Contos de Agora" é um audiolivro organizado por Moacyr Godoy Moreira, reúne em dois CDs textos de 21 contistas brasileiros contemporâneos, narrados pela atriz Leona Cavalli.