sexta-feira, 21 de maio de 2010

Pulsão outra vez II


Segue mais uma foto do lançamento, já perto do encerramento, quando os estudantes falavam.

Para quem quiser ler o prefácio do livro, segue logo abaixo.

O crédito das imagens é do Wellington Pereira.



A PULSÃO IRREFREÁVEL QUE HABITA EM NOSSAS NATUREZAS

Marcia Sucupira

Naquele dia, cotidiano e habitual, Ana Valeska me fitou com seus olhos de azeitonas pretas brilhando e disse: “Terminei o livro, gostaria de que você fizesse a apresentação”. Por um senso estético, que me fez agradecer, e um descontrole do ego, que me deixou vaidosa, aceitei, mas sabia internamente, por um sentimento próprio e peculiar do aguçado sentido feminino, que Pulsão Irrefreável me colocaria, sem dúvida, diante de verdades que, por conforto ou medo, seria menos doloroso negar.

Pulsão Irrefreável fala de todas nós, submetidas por séculos ao uso do cor-de-rosa, vermelho desmanchado em branco, que, sem dúvida, tal qual o vermelho vivo que escorrega de nossas entranhas, é vibrante e estranho demais para ser suportado.

A história da mulher-arte passa pelo relato franco, aberto e não ausente de dor de várias artistas vivas, dentre elas: Maíra Ortins, Milena Travassos, Bia Cordovil, Cecília Bedê, Marina Barreira, que se desnudam simplesmente a nós outras, numa dação sincera que justifica a fala de Ana ao relatar que “todo rio precisa de troca. É bem-vinda a mistura das águas. O rio deseja se doar ao mar para ser o que realmente é”. A mulher deseja se doar à arte, para ser o que realmente é.

Ao ler Pulsão Irrefreável, vejo o texto falar de mim mesma, de minha avó, de minha mãe, como águas que se misturam, vidas que se entrelaçam em suas naturezas, selvagens ou tolhidas, sem que tenham, muitas vezes, a consciência do refreamento de suas pulsões.

A obra não é apenas afetiva, tem uma perspectiva científica aguçada e uma incursão na interdisciplinaridade. A abordagem do livro permeia a psicologia, a arte, a antropologia, a história e a filosofia, de forma segura e sem vacilação, denotando uma pesquisa sólida, elaborada por uma cientista madura em seus conceitos e consciente de suas proposições. Na escrita e na bibliografia referenciada pela autora, encontramos o relato histórico da participação, mesmo que passiva, e na condição de inspiradora, da mulher nas relações de poder, historicamente expressadas através da arte.

Aprendi muito ao ler esse livro. Aprendi muito sobre a arte. Conheci coisas sobre as quais tinha sempre muita curiosidade, mas entre a necessidade de mantença da prole e da dispersão do espírito, fui relegando à condição de tarefa a fazer. Nesse sentido, Pulsão Irrefreável reúne, de forma lírica, conteúdos densos sobre a arte e suas concepções históricas, sem perder, contudo, a expressão poética.

Trata a obra, em uma de suas perspectivas, da complexa questão dos mitos aprisionadores das almas femininas. Com uma clareza corajosa, aborda a castração do desejo carnal, mitificado na figura de Eva e na nobreza do sofrimento digno e da castidade de Maria (a eterna virgem), símbolos inconscientes da maldade e da virtude, do bem e do mal, do certo e do errado, participantes de nosso processo ocidental de educação.

O livro faz o resgate histórico de curandeiras e magas, que, ao repassarem seus conhecimentos sobre a vida e a cura, foram jogadas no fosso do descrédito frente à autoridade científica eminentemente masculina. No entanto, todas nós mulheres sabemos de nosso poder curativo, de nossas capacidades de incursão no divino, e, nesse aspecto, Pulsão Irrefreável, mesmo sendo uma obra científica, habilita-nos a acreditar e vivenciar essas certezas internas, advindas de nossa natureza divina e selvagem.

Um dos momentos mais belos do livro é quando Ana fala do amor real entre o homem e a mulher, já descrito por Warat ao afirmar que “o amor acontece quando duas naturezas selvagens se encontram desarmadas”. Com sinceridade e delicadeza, a autora nos fala que para o amor possível é necessário abrir mão dos príncipes e perceber que desde a eternidade somos as nossas próprias salvadoras, e deixa a mensagem de que é preciso “transformar a felicidade numa realidade possível”.

É tão bom ler Pulsão Irrefreável que fiquei adiando o término da leitura, como criança que guarda o doce para o final e o come em pequenos pedaços, para não acabar de vez a alegria. Foi um encontro comigo, com tudo que vivi, com as músicas que me marcaram, escritas de minha própria vida. Foi um encontro com todas essas mulheres lindas que se doaram para nosso resgate, para recuperação de nossas almas aprisionadas, para o reencontro com nossas naturezas mais puras.

Ana Valeska nos trata sempre em primeira pessoa, conversa conosco, mais parecendo que está ali, ao nosso lado, numa troca íntima e sem armaduras.

Nesse final, outra coisa não me resta que agradecer, pelo espaço que se abre diante de mim através dessa obra, pela possibilidade de ampliar horizontes e de permitir vazão as minhas próprias pulsões. Contudo, manter-me sozinha nesse processo é difícil demais, por isso venho me valer da parábola de que Ana Valeska tanto gosta, e que conta sobre um menino que nunca vira o mar. Seu pai o levou para ver o mar, e, do alto da montanha, de onde ele observava o mar, ao ver aquela grandiosidade ele segurou a mão de seu pai e disse – Pai, em ensina a olhar!

Ficam aqui o meu relato e o meu apelo a todos nós, homens e mulheres: seguremos em nossas mãos e nos ajudemos a olhar a beleza dessa Pulsão Irrefreável que habita em nossas naturezas.

Obrigada Ana.

2 comentários:

Wellington Pereira disse...

Os crédito são seus sua beleza e sua presença faz com que cada encontro seja um entrelassamento de sentindos e sentimentos. Eu é que parabenizo você pelo Pulsão Irrefeável, e agredeço por partilhar de minha vida, como Amiga... Amo tu de coração... bjs.

Patrícia Marques disse...

Lindo texto de Marcia Sucupira, dá vontade de ler o livro.

Beijos!