domingo, 11 de abril de 2010

Vik Muniz - a arte do enconro

Segue o artigo publicado hoje no jornal OPovo.

Vik Muniz

A arte do encontro

Vik Muniz tece diálogos profundos com a condição humana, transitando pelo passado e pelo presente, pelas divas e mitos, heróis, monstros e pessoas comuns. O artista seduz o espectador e convida para um diálogo aberto

Ana Valeska Maia
especial para O POVO

10 Abr 2010 - 17h04min

Pequenos diamantes formam o rosto da atriz Elizabeth Taylor, por  Vik Muniz(Foto: DIVULGAÇÃO)
``Desejei reter toda a beleza que surgia à minha frente, e por fim o desejo foi satisfeito`` Julia Margareth Cameron

Por que o artista Vik Muniz faz tanto sucesso? O que secreta sua obra, capaz de enlaçar o observador, numa sensação única que envolve, seduz e se quer eterna? Posso lançar outra pergunta, buscando percorrer um caminho que me conduza a uma linha tradutora de respostas. O que, em nossa condição humana, realmente buscamos? Será que procuramos no outro um pouco de nós mesmos? Susan Sontag argumenta nas primeiras palavras lançadas no livro Sobre fotografia que a humanidade permanece de forma impenitente na caverna de Platão, ainda se regozijando com meras imagens da verdade. Por que buscamos intensamente as imagens? Acredito que cada imagem carrega em si a chave de um segredo. E, especificamente, nas imagens criadas por Vik Muniz, sempre é possível encontrar algo oculto que se revela.

Lembrei-me de uma construção de Frederick Sommer: ``a vida em si não é a realidade. Somos nós que pomos vida em pedras e seixos``. Nisso consiste um dos maiores impactos da obra do artista. Ele ousa, rasga os invólucros estabelecidos, ultrapassa as fronteiras dos consensos e seduz o espectador por deixar fluir uma intimidade que se permite exposta, convidando para um diálogo aberto sempre a penetrar em algum esconderijo de nós mesmos.

Você costuma observar as nuvens? Até hoje, quando olho para o céu, procuro reconhecer algo familiar nas nuvens em movimento. Pessoas, animais, algum objeto, quem sabe um coração. As nuvens falam, transmitem durante poucos segundos uma mensagem, para rapidamente se transformarem em outra coisa. Uma reflexão sobre as nuvens tem a força de um heraclitismo intenso e, como no ser em movimento narrado pelo filósofo pré-socrático, nós, humanos, somos muito parecidos com as nuvens. Uma piscadela, um instante apenas e em frações de segundo já não somos mais os mesmos.

Entretanto, ao mesmo tempo em que tudo é transformação na existência, ansiamos pela permanência. Ter um instrumento que possa guardar o momento que sempre se esvai, para que algo único e importante possa ser revisitado e atinja uma aura de eterno. Esse é um dos grandes feitos da fotografia, suporte frequente no trabalho de Vik Muniz. E as nuvens, que sempre se transformam, podem ser sempre as mesmas. Ou podem assumir a forma como desejamos contemplá-las no céu, pela criatividade e engenho do artista, que cria uma linguagem da linguagem e a cada olhar lançado para o céu ou para as águas do rio que flui, pode construir mundos novos por intermédio da arte do encontro.

Nas águas do rio de Heráclito que passam por nós encontramos as lembranças ancestrais e banhados pelas lembranças, podemos ver a narrativa mítica falar diretamente à alma, como o Narciso admirando a própria imagem refletida na água, releitura que Vik Muniz fez da pintura de Caravaggio. Na obra, o artista utilizou uma diversidade de materiais descartados numa composição impactante, perfeita e sofisticada, produzida com lixo. Novamente expõe seu olhar lúdico recriando a abordagem dos mitos, como na obra Medusa Marinara, feita com macarrão e molho. É recorrente em seus processos criativos a utilização de materiais perecíveis, como geleia, manteiga de amendoim, açúcar, chocolate. Destaco as obras Crianças de açúcar, e os retratos de chocolate de Sigmund Freud e da Mona Lisa. Ele consegue com maestria tecer diálogos profundos como nossa condição humana, penetrando em desejos e medos, transitando pelo passado e pelo presente, pelas divas e mitos, heróis, monstros e pessoas comuns, resignificando pela criação constante das ilusões, a realidade.

Seus processos e construções são fortes, intensos, vibrantes, sempre a transbordar um jorro poético. Ele ousa e sabe o que faz. Como espectadora, vou juntando os pontos, fio por fio, costurando rendas, rendilhados, arremates e alguns nós cegos, procurando perceber o que está camuflado no que se permite exibir nos jogos de memória, de mitos, nas pinceladas de humor, nos paradoxos das pilhas de lixo, das pedras preciosas, do caviar, dos desenhos gigantes na areia, nas releituras de obras emblemáticas de artistas consagrados. Com Vik Muniz, os diamantes são eternos e as nuvens também.

>> Ana Valeska Maia é curadora, artista plástica e professora de Direito. É autora do livro Pulsão Irrefreável - Arte Contemporânea no Feminino e mantém o blog oseremmovimento.blogspot.com

3 comentários:

Eduardo Porto disse...

Eu li a matéria e ficou muito interessante, tenho que ir pra essa exposição dele.

Grande beijo Ana.

Steven Douglas disse...

Ana, parabéns pela artigo, um texto belíssimo sobre uma arte profundamente impactante.
bjs.

Ana Laís disse...

Parabéns Ana, pelo belíssimo artigo!!
Beijos