sexta-feira, 24 de julho de 2009

Uma família possível



A irmã sabia que tinha talento. Estava guardado lá nos porões do ser. E cavava seus porões com unhas e dentes. Abria cavernas sem nenhuma luz. Cavar machucava. Saber que é sem ser. Escrevia as peças de seu teatro com as tintas da dor. A dor da presença da ausência. Um grito silencioso pulsava insistente, como o vai e vem de um coração, foi-não-foi. Sabotava a vida, buscava romances principescos com homens que já possuíam suas princesas e sofria porque queria viver na realidade o mundo dos sonhos.
O irmão amava mas não admitia amar. Petrificou-se em seu refúgio. O mundo dos livros era seguro. Não percebia que os livros tem uma vida oculta, se nos agarramos demais a eles com o tempo envelhecem também, os ácaros crescem como um vírus e tomam de conta da alma, devorando lentamente os pedacinhos do eu. O corpo endurecia, a voz amargava, as lembranças ocultas cresciam em metamorfose: eram vírus também.
O pai adoeceu. Após 20 anos de ausência da vida dos filhos precisou da presença deles. “A família Savage” coloca em cena a vida de dois irmãos, John Savage (Philip Seymour Hoffman), Wendy Savage (Laura Linney) e o pai Lenny Savage (Philip Bosco). No filme é tecida uma costura muito fina sobre as relações de família. Sem sentimentalismos, sem estereótipos, vi crescer a possibilidade do recomeço quando cessa o olhar de Medusa que lançamos para nós mesmos e passamos a direcionar um sincero olhar para a realidade da vida que temos e abrimos uma porta para tentar outra vez, de uma outra forma, viver.

Um comentário:

Anônimo disse...

Bela resenha, (Jo)Ana,
Como blogólatra do sereemmovimento, me atrevo - na qualidade de cinéfilo que sou tanto quanto você - a sugerir que você poste mais comentarios sobre os filmes que você assiste. Seus leitores agradecem.
Bj. no coração,
Jo.