domingo, 4 de janeiro de 2009

Sobre nomes e vazios


O óbvio é que a dor sabe porque existe. A pontada fina traz o agudo insistente e incômodo da falta do que se quer. A falta é sábia. Sabe de seu oco. Tem sede eterna de preenchimento. Quando em vez ela camufla suas reais razões, a fome de seus vazios, porque enfretamentos interiores doem e somos tão covardes, não suportamos bem os impactos das histórias abortadas. Iludimo-nos com falsos preenchimentos, como se fosse possível afugentar a frustração de querer saborear o gosto das coisas profundas, do néctar essência núcleo, estando tão presos às superfícies. Camille Claudel sabia o que faltava, a coisa ausente. “Il y a toujours quelque chose d’absent qui me tourmente” – Existe sempre alguma coisa ausente que me atormenta; está lá, registrado nas cartas que escrevia a Rodin.
O que faltava a Camille? O amor? Qual tipo de amor? - E o que posso dizer sobre essa coisa ausente que me atormenta? Esse pensamento não permitia mais à entrega ao corriqueiro da vida. Qual vida? A vida deve ser apenas algo corriqueiro? Então Joana sentiu que talvez fosse necessário suspender um pouco suas certezas. Afinal, elas não davam mais conta do que se passava, do que passou, de seus desejos turbulências ou de suas ausências. Estava cansada do nome das coisas e provavelmente seria bem útil aprender a desaprender nomes. Os nomes limitam. Criam paredes grossas e intransponíveis, lançando um risco de sufocamento no ar. Coisas sem nome são abertas e dão mais clareza às ausências, podem ser resignificadas. Joana quer coisas sem nome. Os nomes entram em combate com a vida, costumam decretar ritmos na contra-mão, agem como ventos soprando em contrafluxo. Os nomes tributam atrasos. Ela estava cheia do olhar carregado de nomes que se abancavam pelo mundo com privilégios de rotina. Os nomes roubam a permanência do impacto inaugural. Vão determinando os fatídicos olhares de acúmulo, vêm estagnar os movimentos, possibilitando redes rígidas e o perigo de algum coágulo preso prestes a estourar. Os nomes determinam volumes sempre altos para ouvidos cada vez mais moucos, tudo sempre tão cheio, repleto de classificações, como o copo que não suporta mais nenhuma gota sem correr o risco de cair em um choro discreto, já não cabem intensidades, pois não há espaço para as ausências. Que venha o vazio ausente de nomes para que eu aprenda o que realmente me falta, para que eu tenha consciência das minhas ausências, sem sentir tanto a dor do corte da lâmina fria das palavras traiçoeiras usadas sem dó nem piedade pelas bocas alheias. Talvez sejam apenas bocas que ignoram o que falam porque de fato, não sentem o que dizem sentir. Ignorantes como um eu-te-amo de superfície, por exemplo.
imagem: pintura da artista Elisabeth Peyton

9 comentários:

gloria disse...

primeiro impacto ao te ler: silêncio, silêncio, estupor! como pode a sensaçào do vácuo, do olhar para os pequenos fragmentos fosforecentes daquilo que reluz como falta, como o indizível ser tào fértil, tào duramente lírico! o mais drástico dos vácuos é que eles são habitados por fantasmas.falar deles é uma forma às avessas de dar a vida a quem, aparentemente, se foi, não existe mais. tuas palavras são como dardos de encantamentos, me afetam e me calam!bjs

genetticca disse...

Tem muita razâo,os nomes sâo propiedades comunes,nâo personalizadas. Mais eu sinto la ausência de uma pessoa e a iso eu chamo saudade,identifico o ser que me la provoca,coloco um nome...jogo
fora...mais ele ainda mi fez falta.
Fico buscando dentro de mim uma razâo que compense esa falta,i eu acho la resposta. Ele e qui mi fez amar todas las coisas i todos los seres...por iso mi fez falta.Um bejo
Voçe escribe coisas muito profundas.Eu gosto

Aline Lima disse...

Ana querida! O tema de Joana é a vida. E que lindo isso... Muito lindo!

P.S.: adorei tanto teu comentário que até chorei... essa tpm é uma coisa! Ando tão chorona... Pois, tem dias que é importante a gente saber que alguém mais acredita em nós tbm. GRATA! =****

Aby Rodrigues disse...

A dor,a ausência do ter,a conformação.Vazio cruel, não se sabe onde termina.Penso como ti,o falso preenhimento de nada vale,nada alivia.

eDu Almeida disse...

É querida Ana, sei bem o que passa com Joana, recentemente escrevi algo parecido com isso. Esse vazio não se preenche com outras coisas, somente com um algo novo do mesmo gênero. Amigos, família e etc... preenchem o vazio que lhes cabem, mas o Amor... bem, só o amor preenche. Esse vazio está me silenciando por ora e quase me sufoca às vezes, mas hj consigo ser um pouquinho mais forte que ontem. E assim é a vida, intensa por isso, vamos VIVER ao máximo.

Wellington Pereira disse...

Fiquei atordoado - não sei como mas me senti dentro do texto, porque antes escrevi um texto chamado TORMETAS e é esse sentimento dessa falta de algo. Mas que esse algo o mar da vida vai trazer porque é dele esse lugar, e nomes serão vazios diante de um Amor que é inominável.

Linda Joana

Não sei por que, mas Joana me faz sonhar.
Joana entra em meu ser através de letras,
Mexe meu interior e sacia minha alma.
Joana como a nascente de um rio,
Inunda tudo e traz beleza, mata sede, germina vida
E corre de encontro ao mar, que são meus sonhos infinitos.

Liberta-se Joana de seus caudilhos
Quando em seus escritos ama, e minha alma inflama.
Joana tirar tinta de seus cabelos negros,
Para escrever versos, poesias, vidas.
E nos ilumina através de sua pele branca
Que se torna a lua e linda Joana

E morro porque nela encontro os braços das mais belas palavras.
E ressuscito porque em seus olhos em forma de amêndoas vejo o amor
Ai quem me dera que Joana fosse também canção
Porque assim entre letras e melodias me entrelaçaria e
Por Joana de vez me perderia.

joão disse...

Joana - que descobre-se em pétalas cada vez mais profundas.

Quando briguei com os nomes o meu mundo se anomiou por completo. Todas as coisas seguiram sua existência numa espécie de santa anarquia. Foi quando vi que podia romper com os nomes, mas não podia romper com as palavras. Escrever é uma forma de rebatizar tudo que existe. E, talvez, seja isso que você faça aqui. Uma espécie de ritual de reinvenção, de renascimento. Ou como disse o Torquato Neto (na voz do Luiz Melodia) - Começar pelo Recomeço.

Sinto às vezes que você dança com espelhos, Joana. E, perto como estou, me vejo refletido de vez em quando. Então é como se dançássemos juntos.

Espero que essa música não páre de tocar.

Vinicius disse...

Ouvi o silêncio tecendo suas teias; as palavras, tuas palavras ganhavam tons. O vazio que tu abordaste tomou o inteiro, preenchendo-o. Os nomes são propriedades que fixam um sentido. Não gosto de nomes ou propriedades. Gostei do seu post.

Abraço,

R.Vinicius

Anônimo disse...

Parabéns pela poesia. Linda! Me identifiquei muito. Adoro seus comentários profundos e verdadeiros.