Estava nos jornais: no
Jardim Japonês, Papai Noel recebe as chaves da cidade. Teimei em ficar
pensando no sentido disso, no simbolismo da chave, no que revela a
cidade e Papai Noel no meio dessa história. Daí a imaginação viajou até
As Cidades Invisíveis, livro de Italo Calvino, recheado de
páginas-chave, que abriram muitas portas em mim.
Em
uma das cidades de Calvino, chamada Tamara, “o olhar percorre as ruas
como se fossem páginas escritas” e encontra advertências do proibido e
do permitido, evidenciando as tramas de um discurso imposto pelo outro.
Senti Tamara como uma cidade perigosa, pois “diz tudo o que você deve
pensar”.
Em outra passagem do livro, Calvino tece o seguinte:
“As cidades, como os sonhos, são construídas por desejos e medos”. Do
território da reflexão vejo minha cidade em dezembro, com seu ritmo
alterado, o trânsito caminhando lento próximo aos shoppings, os passos
acelerados dos transeuntes e suas sacolas de compras, as luzes
enfeitando árvores de praças e condomínios.
As cidades se
misturam. A cidade de fora, cumprindo calendário, comprometida com os
ritos e ritmos de final de ano, em inúmeras celebrações, apelos de
consumo e promessas de felicidade pronta, sem aparente dispêndio de
energia. A cidade de dentro, profunda, enigmática, tecida por ruas e
atalhos que dão medo, pois são territórios ainda desconhecidos, espaços
que ocultam mais do que revelam e convidam ao encontro do sentido real
da busca e solicitam uma virtude no caminhante: coragem.
Sinto
que passamos a vida buscando as chaves de nossa cidade. Durante a
trajetória, algumas chaves abrirão portas que aprisionam, os desejos
serão escravizados, o percurso será delimitado por outros e alguém
poderá enganar-se na busca fácil achando que encontrou seu lugar. Para
quem não cede ao discurso do engano, sabe que dentro do ser mora uma
cidade invisível, com suas chaves escondidas, ansiosas pelo encontro de
si que é, afinal, a busca do sentido da vida.
(artigo publicado no jornal O Povo, edição de 19/12/2011)
Um comentário:
Sinto falta das suas palavras.
Venho todo dia conferir se o silêncio acabou. Torço para que isso aconteça em breve.
Abraço.
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