segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

As chaves da cidade


Estava nos jornais: no Jardim Japonês, Papai Noel recebe as chaves da cidade. Teimei em ficar pensando no sentido disso, no simbolismo da chave, no que revela a cidade e Papai Noel no meio dessa história. Daí a imaginação viajou até As Cidades Invisíveis, livro de Italo Calvino, recheado de páginas-chave, que abriram muitas portas em mim. 

Em uma das cidades de Calvino, chamada Tamara, “o olhar percorre as ruas como se fossem páginas escritas” e encontra advertências do proibido e do permitido, evidenciando as tramas de um discurso imposto pelo outro. Senti Tamara como uma cidade perigosa, pois “diz tudo o que você deve pensar”.

Em outra passagem do livro, Calvino tece o seguinte: “As cidades, como os sonhos, são construídas por desejos e medos”. Do território da reflexão vejo minha cidade em dezembro, com seu ritmo alterado, o trânsito caminhando lento próximo aos shoppings, os passos acelerados dos transeuntes e suas sacolas de compras, as luzes enfeitando árvores de praças e condomínios.

As cidades se misturam. A cidade de fora, cumprindo calendário, comprometida com os ritos e ritmos de final de ano, em inúmeras celebrações, apelos de consumo e promessas de felicidade pronta, sem aparente dispêndio de energia. A cidade de dentro, profunda, enigmática, tecida por ruas e atalhos que dão medo, pois são territórios ainda desconhecidos, espaços que ocultam mais do que revelam e convidam ao encontro do sentido real da busca e solicitam uma virtude no caminhante: coragem.

Sinto que passamos a vida buscando as chaves de nossa cidade. Durante a trajetória, algumas chaves abrirão portas que aprisionam, os desejos serão escravizados, o percurso será delimitado por outros e alguém poderá enganar-se na busca fácil achando que encontrou seu lugar. Para quem não cede ao discurso do engano, sabe que dentro do ser mora uma cidade invisível, com suas chaves escondidas, ansiosas pelo encontro de si que é, afinal, a busca do sentido da vida.


(artigo publicado no jornal O Povo, edição de 19/12/2011)

Um comentário:

Anônimo disse...

Sinto falta das suas palavras.
Venho todo dia conferir se o silêncio acabou. Torço para que isso aconteça em breve.


Abraço.